12.17.2009

O Caçador de Pipas

Incrível como às vezes não gostaríamos de ser quem somos. Preferíamos fazer de conta que não foi nossa aquela ideia estapafúrdia; esquecer a ligação no meio da madrugada; ignorar aquela mentirinha tola que largamos sabe-se lá o porque; esquecer que somos preconceituosos, mesquinhos, fúteis e incontroláveis.
Mas, de repente, numa explosão de carência achamos que somos (antes de tudo) sempre os prejudicados. Então, adotamos aquela cara de coitado e esperamos que alguém perceba como somos bons, puritanos e frágeis. Se ainda assim, nada disso funcionar (arg!), nos detestamos ainda mais. E, aí bate uma sensação de remorso, uma angústia vinda não sei da onde e então temos duas alternativas: correr atrás e tentar recuperar o estrago feito ou deixar como está.
Exageros à parte, algumas dessas atitudes não fazem nem “cócegas” no andamento rotineiro das nossas atividades e intenções; outras, no entanto, designam o curso de um destino, tal como aconteceu com Hassan. Ele sabia que era servo e que servo seria. Respeitava e amava seu amigo e também patrão, Amir. Amir também gostava de Hassan e assim se construiu a história destes dois meninos que cresceram juntos, na mesma casa, com vidas muito diferentes.
Hassan e Amir são os protagonistas do romance de Khaled Hosseini, O caçador de pipas. Best seller em 2008, o livro apresenta o Afeganistão da década de 70 através da história de Amir, rico e “bem-nascido”, sempre em busca da aprovação do pai; e Hassan, de família humilde, que não sabia ler, nem escrever, mas que era conhecido por sua coragem e bondade. Bondade essa que definiria os acontecimentos do inverno de 1975, naquele que teria tudo para ser o mais inesquecível dos campeonatos de pipas. Amir precisava ganhá-lo para atrair a admiração do pai e Hassan, como sempre, fiel e atencioso, o apoiaria nesta conquista.
Depois de horas encarando o céu azul, Amir derrubou a última pipa. Mas fez mais, derrubou também a oportunidade de demonstrar a mesma fidelidade de Hassan; jogou ao chão a chance de provar que, sim, tinha coragem o suficiente para defender o amigo e enfrentar o que disso resultasse.
Amir não fez nada disso. Em troca guardou por anos a pior das suas lembranças. Lembranças que, como falávamos acima, o faziam sentir vergonha e preferir que nada daquilo tivesse acontecido. Hassan sofreu calado. Os dois nunca mais viram o mesmo céu azul, nem as pipas, nem compartilharam histórias. Não como antes. Porque na vida é mais ou menos assim: cada gesto, ação e palavra (ou ausência dela) nos leva a uma direção. Nem sempre é possível voltar. Por isso, é preciso deixar falar o que sentimos. As escolhas passam a ser mais humanas e menos cruéis. Não é fácil. Mas, afinal, quem falou que seria?!


Boa leitura!

Xo mau humor


“Guria, não tenho tempo mais pra nada!”
Assim começa meu efêmero diálogo com uma amiga de longa data. As frases são curtas, em função da correria do trabalho e quando percebemos já nos demos tchau e então é meio dia.
Situações assim são cada vez mais frequentes e ainda assim parecemos não nos conformar com a “nova” realidade. Acordamos, atualizamos a lista de tarefas do dia e no final do mesmo ou a lista aumenta ou estanca. “Incrível como sempre fica mais coisa para o outro dia”, reclama um amigo exausto às 24h, despedindo-se para dormir. E isso tudo indiferente da profissão: é o pedreiro que trabalha enquanto tem resquício de sol; o professor que pega umas horinhas a mais para complementar a renda; o médico com a agenda cheia por dois meses à frente; o jornalista que se dedica a três diferentes trabalhos; o designer e publicitário resgatando algum vestígio de “criação” depois de 18 horas na frente do computador; e por aí vai. “É o fim do ano”, justifica um colega.
Talvez realmente seja. O que me parece, no mínimo, uma visão otimista do processo. Mas nada de desânimo, hein. É preciso encarar a realidade e tentar “curtir” esse frenesi de qualquer forma. Momentos de lazer são uma boa pedida. Por isso, na resenha da primeira semana do último mês do ano, apresentamos o livro de piadas “Xo mau humor”, de Torres Pereira. “Um show terapêutico sem contra-indicação médica”, como é descrito na capa.
O livro traz algumas piadas (“sem palavrões”, me garante o autor) sobre diversos temas; dos mais esdrúxulos aos mais rotineiros. Uma boa dica se você acha que anda trabalhando demais e merece um descanso. Mas se, de repente, chegar o mês de fevereiro e você ainda estiver com a expressão abatida, as olheiras fundas e corpo exausto, bom aí o melhor é dispensar aquele “freela” e partir para um plano “B”.


Boa Leitura!

12.02.2009

Crepúsculo

A ideia me veio sem precisar pensar muito: “me senti uma adolescente lendo esse livro”. Uma adolescente que se apaixona pelo mocinho, que adora a história de amor, aventura e, claro, um pouquinho de perigo.
Vivemos num frenesi de opiniões, trabalho e intensos debates políticos, éticos e morais em que uns gostam disso, outros daquilo e nós ali no meio; tentando pensar no que gostamos. Parei. Esqueci-me de toda a crítica e me dedique a voltar ao colégio. A ver o rapaz estranho, perfeitamente lindo; imensuravelmente distante para ser real. Fui à escola e confessionei com minhas novas amigas segredos que guardava apenas comigo. Na escola descobri que era por ele que acordava e por quem iria todos os próximos dias, ali, na mesma rotina cheia de verde musgo. Ele chegou mais perto. Mais e mais. De uma forma que não conseguia me afastar. Enchi-o de perguntas e passei então a admitir que o amava no amor mais ingênuo, infantil e risonho possível.
Antes que pensem ser este um (lamentável) depoimento, declaro: essa não sou eu, é a Bella. Isabella Swan que decide morar com seu pai numa cidade fria e sombria, chamada Forks, em Washington. Na frieza da pequena cidade é que Bella conhece Edward e, possivelmente, você já os conheça das salas de cinema.
A nova febre chamada “Crepúsculo” tem levado milhares de pessoas a livrarias e locadoras do mundo inteiro. O romance é, estranhamente, encantador. E talvez até me julguem por me dedicar e cair de joelhos, assim tão fácil, a “livros da moda”. A estes tento me defender, caso não consiga convencê-los apenas lamento. Lamento porque a argumentação se dá na “estranha” sensação de voltar há alguns anos e me sentir a adolescente que há pouco tempo fui. E deve ser essa a principal sensação que se não te convenceu deve fazê-lo em seguida: precisamos deixar de lado a expressão carrancuda que adquirimos no trabalho; deixar o relógio correr; a imaginação viajar; deixar que a sobriedade e os pés no chão não sejam a linha mestra; é à loucura que devemos dar espaço; são os devaneios; a embriaguez e incerteza dos sentimentos que devemos dar um espaço. À frieza já ofertamos demais. E por isso, se me acusarem novamente de cair na deles e ler o que a moda dita, falarei, tranquila como fala Bella quando Edward a toca: é um romance de encher de alegria o coração. E se você não for capaz de conviver com a simplicidade que isso significa dificilmente entenderá. Independente se a história é sobre vampiros ou se acontece longe daqui. Trata sobre o amor. Da maneira mais pura; como ele deve ser e “para sempre”. Também por isso, não vejo a hora em que tenha nas minhas mãos os próximos capítulos com essa história. Tem feito bem à imaginação e àquele sentimento que resgatei dos meus 16 anos. Então, em alguns dias devo reencontrá-lo e aqui o apresentarei e espero que você também o esteja esperando. Um sinal de que estamos abertos à sensações fúteis e bestiais de rir da felicidade dos outros. Começamos pelo livro e, de repente, a febre possa se expandir. Já imaginou? Não? Então, esqueça a verdade e recomece a sonhar. Acredite: faz bem!

Boa leitura!

11.18.2009

O menino de pijama listrado


Procurei por mais de duas horas encontrar a palavra certa para começar este pequeno texto. Esta é a quarta vez que o inicio sem saber se, realmente, chegará a ter um fim. Um fim que valha a pena, que cause algum impacto, tal como causou o livro que me trouxe mais uma vez à frente do computador. Olho para a tela branca e sinto como se faltasse algo; como um vazio, desses sentido quando se perde alguém especial. Não consigo entender exatamente o que ocorre, mas o que é certo é que, de alguma forma, tudo parece ter sido causado pela narrativa de John Boyne. Mais do que um autor de bestseller, Boyne resgatou uma história que muitos ainda preferem esquecer ou, no máximo, comentar superficialmente.
O tempo apresentado no livro “O menino de pijama listrado” é curto, algo como dois a quatro anos. É uma obra que traz como protagonista uma família, uma cerca e um menino. Num primeiro momento parece uma construção simples e, realmente, é. É o tipo de livro que em quatro horas de dedicação você terá virado a última página. No entanto, nem por isso deixa de provocar (como diria Roberto Jefferson) “os instintos mais primitivos” daqueles que acompanham a história.
Em cada lado da cerca um menino de nove anos, nascido no dia 15 de abril de 1934. Mas as coincidências param por aí, pois também em cada lado da cerca há um mundo. Num, o tédio é capaz de provocar a loucura; no outro existe o frio, a chuva, a fome, a violência e a abnegação de qualquer resquício daquilo que alguns chamam de humanidade.
Nos dois lados pessoas com histórias distintas. Pessoas que apoiam o governo de maneira patriota e pessoas sem governo; pessoas que se rebelam pela justiça e pessoas que não sabem o que viver sem ela; pessoas que vestem suas melhores roupas à espera do jantar e pessoas que vestem listras e saem marchar, sem saber até aonde ir.
É simplesmente disso que fala o livro: do absurdo que a ignorância pode causar; da crueldade; mentira; covardia e orgulho que fecham os olhos de uns e os tornam superiores. Os tornam capazes de ignorar que há vida no outro lado da cerca; que há diferença entre as pessoas; que há um pouquinho de cada um de nós também do outro lado.
O comandante, a mando do Fúria, não percebeu isso a tempo. Quando se deu conta havia exterminado o pouco dele que ainda não conhecia todas as regras. O livro de Boyne faz, então, além de uma retrospectiva histórica, um alerta para as cercas que ajudamos a cravar todos os dias e que, por sermos tolos, achamos estar certa. E afinal quem define de que lado da cerca você estará?
Boa leitura!

11.13.2009

Comer, rezar e amar


Ei! Você tem um tempinho sobrando?! Então me responda: quantas pessoas já tentaram simplificar em conceitos e suposições o que é a felicidade? E quantas delas conseguiram, na metade do tempo, apresentar motivos para que o contrário acontecesse? Falar, escrever, dialogar sobre coisas que nos deixam tristes é, obviamente, mais fácil que arriscar um conceito fajuto sobre felicidade. E não pensem que apresentamos com esta resenha um livro que ouse tanto. Diferente disso, a dica é de um diário.
O diário de uma jornalista e escritora chamada Elizabeth Gilbert (“Comer, rezar e amar”). Uma mulher que resolve viajar por três países (Itália, Índia e Indonésia), no período de quatro meses, após um traumático divórcio. Para a viagem, conseguiu o apoio financeiro da revista em que trabalhava nos Estados Unidos (quem sabe um dia eu também escreva um diário assim...). Em cada uma dessas cidades, a autora buscou encontrar, respectivamente, prazer, devoção e equilíbrio e, então, alcançar a tal da felicidade.
Na Itália comeu, bebeu, apreciou ambientes românticos (mesmo sozinha) e descobriu que há “beleza em não fazer nada”. Percebeu, também, que a depressão e a solidão caminhavam lado a lado com as expectativas que ela alimentava ao tentar se livrar delas. Na Índia enfrentou uma das maiores dificuldades: silenciar. E no silêncio lutou contra memórias, sentimentos e provações. Descobriu maneiras para enfrentar o medo e a ansiedade e conseguiu. Só depois de muito limpar o chão, foi à Indonésia encontrar um velho conhecido. Encontrou-o e também algo a mais.
No livro é evidente (como pode-se imaginar) que há um forte choque cultural. E não, necessariamente, da autora, mas daquele que com ela viaja. A cada cidade, novas concepções; novos deleites; e aprendizagens. Não apenas da língua praticada, mas de como cada povo encontra a sua realização. E ao apresentar essa nova realidade, a obra te transporta para estes distintos ambientes. E faz isso mesmo que de forma vagarosa e sutil. Quando você menos espera sente-se 10 quilos mais gorda de tanta pizza; meditando no ashram e aceitando a quietude trazida pela solidão.
E após tudo isso; após um ano de caminhada; de caixas levantadas; de buscas incessantes, Liz (depois de 300 páginas já podemos chamá-la assim, certo?!) descobre a tão ansiada felicidade. Então, aí nossa viajante percebeu que para tê-la por perto basta um pouquinho de esforço pessoal, pois ela está sempre por perto. Como um controle remoto que precisamos acionar o botão. Com a TV fazemos isso numa freqüência maior, mas e no dia a dia? A velocidade do tempo aumenta a cada ato insano de tentar prolongá-lo. Mas, no fim das contas, tudo um dia acaba e ser feliz (para aqueles que conseguirem) é a única dica. A medida pra isso? Não, não está no livro. Nem em qualquer outro lugar a não ser em nós mesmos.

Boa leitura!

10.30.2009

Duas Vidas


Há alguns dias passamos a desfrutar do horário de verão. Dias mais longos, noites mais curtas; o sol e o calor. Com a chegada da estação mais quente do ano, mudamos alguns hábitos; aproveitamos mais o tempo em que o sol brilha; e passamos, então, a adquirir o tal “espírito do verão”. É sempre assim: a cada ano, o horário novo vem, muda; uns reclamam, outros aprovam e seguimos em frente, vivendo de maneira corrida o pouco tempo que temos.
Indiferente de que horas sejam agora, a sensação é como se nunca fizéssemos tudo o que é preciso; como se não fosse dar tempo para realizar algumas tarefas; como se perdêssemos tempo a cada minuto que paramos no semáforo à espera do sinal verde. E quando ele “abre”, corremos pela faixa de pedestre; corremos para chegar a tempo do elevador; corremos para alcançar o ônibus; o mercado aberto; a fila do cinema. Andamos contra o tempo a fim de conseguirmos o que tanto desejamos e, no entanto, que ironia, quando mais corremos contra ele, menos tempo temos.
Assim é para a maioria. Mas há também aqueles que acreditam na continuidade; na extensão de uma vida. Um tema melindroso, afinal fala-se de crenças e por isso muito bom senso nas palavras, por favor! Palavras estas colocadas com todo o cuidado no livro “Duas vidas, o encontro de uma mulher”, de Bertha Andrade Vidili. O livro traz um romance espírita que narra a história de uma mulher. Como é apresentado no prefácio da obra, “na primeira parte ela é Gwen, uma camponesa dos Aples suíços. [...] Na segunda, é Natália, a filha de um senhor de engenho do Recôncavo baiano”. A história de Gwen se passa no século XVI e a de Natália no século XVIII. As duas compartilham de uma vida em comum, com cenários e universos culturais distintos, no entanto com o mesmo espírito.
Poderíamos assim dizer que são dois romances, mas, na verdade, é um só. A mesma mulher, os mesmos conflitos, amores, desilusões e desafios; ou como diz a autora, “a mesma mulher vivendo temas existenciais que se repetem”. Para aqueles que não acreditam em espiritismo, fica a mensagem de uma vida com ponto final. Àqueles que compartilham da doutrina, o sentimento de que a vida continua, mesmo que de maneira não linear. Talvez por isso, de alguma forma, essas duas crenças acabem por se cruzar. Indiferente se continuamos em outros tempos, as palavras que não foram ditas a um bom amigo, não serão mais apresentadas. Não com o sentimento que, por pressa ou ingenuidade, deixamos para depois. “Duas vidas” é mais que um romance. É um bom momento para analisar o que se faz; aguçar a sensibilidade e respeitar o próximo.


Boa leitura!

10.23.2009

Eu pego esse homem

Nunca brinque com uma mulher. Nunca!
Isso não é uma ameaça, tão pouco apenas uma frase afirmativa. É mais um conselho. Se você é dado a recebê-los, aceite a frase acima em sua mais completa magnitude. Porque brincar com uma mulher é desmerecer o seu senso crítico; é fazer de conta que ela acatará a brincadeira com risos e complacência; que não tentará impor o seu ponto de vista (e, porque não, a força). Mulheres são sérias; têm sentimentos aflorados (e exagerados); e quando tomadas pela raiva, ciúme e senso de proteção tornam-se imprevisíveis.
Você não precisa nem conhecer uma infinidade de tipos para perceber estas características. Mulheres são as mesmas em todo o lugar; sob as condições mais diversas e estapafúrdias e com diferentes homens. Seja ela sua mãe, prima, tia, namorada ou amante. Como já disse Martha Medeiros: toda uma mulher é doida e santa, impossível não ser! E o mais incrível: ela é as duas ao mesmo tempo. Talvez por isso muitas relações não deem certo. Existe uma diferença extremamente tênue entre o que é correto, indicado e o que os instintos pedem que seja feito. Dependendo da situação, um ou outro prevalece; talvez até mesmo vários deles juntos.
Também por esse motivo, mulheres abandonadas são um perigo ainda maior. Indiferente se o fato aconteceu no quarto de brinquedos, pela babá; na cama de hotel, pela melhor amiga; ou no altar, por uma “simples” dúvida. O abandono faz com que mulheres tranquilas e pacíficas tornem-se melindrosas. Um exemplo? Esther Bracket, mãe de Penny, que é noiva de Bram, filho de Keith. Cansou? Tome fôlego porque essa história vai longe. O romance de Valerie Frankel, “Eu pego esse homem”, traz a história de uma jovem de 23 anos abandonada no altar e que descobre em sua mãe uma sequestradora, possível mandante do assassinato do pai e cúmplice em mais algumas brutalidades incoerentes com o perfil característico de “mãe”.
Desde a data do casamento, ao sequestro, fuga, internação hospitalar e intermináveis revelações descritas em bilhetes de papel, nos colocamos a par de um verdadeiro reality show. Nele, conhecemos também a diversidade de feições e armaduras que veste uma mulher. Por tudo isso, não se esqueça de uma coisa: cuidado com as garrafas de champagne. Elas costumam ocasionar grandes reviravoltas na mão de uma mulher, seja ela qual for.

Quando nada importa


Às vezes, quando tocamos em assuntos que se assemelham podemos nos tornar repetitivos, principalmente no que diz respeito a relações humanas. Além de muita contrariedade, o tema traz pontos de vista bastante particulares e íntimos. Cada um, com suas experiências, busca entender, ajudar ou mesmo conviver com fatos que acontecem e que por vezes não são compreendidos. Tarefa difícil, para não dizer impossível. Simplesmente porque cada um, com suas próprias concepções, encara as respostas e reações do outro da maneira que consegue absorver.
Nessa confusão toda, o que é certo para um, pode não ser para outro; o que é exagero para um, não é para outro; e assim vamos levando. Tentando imaginar o que devemos falar, expressar e sentir. Há até quem pense que uma bola de cristal cabe bem nessas situações. No entanto, há uma coisa nisso tudo que pode auxiliar (pelo menos um pouco). Isso chama-se amor. Não falamos apenas de “love you”; amor de paixão ou carnal. Mas o amor em sua forma mais pura e mais essencialista. Para aqueles que acreditam, a dica do livro vem bem a calhar: “Quando nada importa só o amor pode iluminar os corações rancorosos”, de Valéria Lopes. O livro, que é uma mistura de romance, espiritismo e mediunidade, retrata a história de vida, morte e angústia de uma família.
Mais do crer no espiritismo, ser romântico ou coisa e tal, é preciso, quando se lê um livro como este, acreditar na história; é supor qual o porquê levou determinado sujeito a escrever essas linhas. Nesse caso, não resta dúvidas. Nada de romantismo. Afinal, não é porque chove lá fora, fazendo aquele barulhinho gostoso que dá vontade de te uma companhia especial; não é pelo medo de ficar sozinho que devemos pensar no amor. Valéria Lopes foi clara quando apresentou esse sentimento de maneira pura. O amor que tem perdão, que não é ciumento; que acolhe; dá carinho; compreensão; que quer o bem. Só esse amor é capaz de atingir aqueles que têm aura pesada; que sempre vêem problema em tudo; que não conseguem ver a diferença entre um dia de sol e outro de tempestade.
É para essas pessoas que o livro foi feito. Indiferente se é católico, evangélico ou espírita. Importa apenas que você tenha o mínimo de amor no coração para receber essa história e quiçá aprender alguma coisa.

9.30.2009

Gritos de Liberdade


Todo e qualquer conflito reflete a expressividade de pensamentos opostos. Há aqueles cotidianos, dos quais conhecemos bem; mas há, também, os que dificilmente conseguimos compreender o porquê acontecem. Não digo, aqui, que não entendemos as razões políticas e econômicas, apenas que não compreendemos como conseguem ir tão longe: cobiça, poder, inveja, dinheiro. A luxúria de querer sempre a superioridade faz com que alguns “homens” decidam e provoquem guerras. Conflitos armados, sejam eles justificados na fé ou na lucratividade, não são e nem devem ser compreendidos. Indiferente do lugar em que acontecem, ali são perdidas vidas e histórias. Histórias que ficam marcadas pela agressividade e pela arrogância daqueles mesmos senhores que sequer sabem o que é pegar em uma arma.
Não pense você que este é um discurso de pacifista hipócrita; é mais um (desastroso) desabafo diante de um fato. O processo se dá mais ou menos assim: um senhor deseja expandir sua ambição, para isso conclama homens patriotas a lutarem por seu país; estes homens lutam e na luta matam, morrem, ferrem e constroem, então, um novo capítulo na história da nação. O senhor, aquele que concebeu a brilhante ideia, colhe seus frutos e esbanje, glorioso, o vigor de suas astúcias.
Eis a simplista descrição de um conflito armado. Os detalhes dos confrontos, de trajetórias incomuns e de sonhos um dia pensados nem sempre são lembrados. Às vezes ficam apenas na memória daqueles que voltaram. Daqueles que todas as noites sofrem e sentem a sombra do inimigo; que ouvem o ruído inconfundível do tilintar da bala que passa ao lado; que veem no corpo a marca; a dor. Relatos assim chocam e entristecem aqueles que de guerra só ouviram falar. Guerras relatadas em livros como “Gritos da Liberdade”, de James Lee Burke.
A obra retrata a Guerra da Sucessão, nos Estados Unidos, ocorrida de 1861 a 1865, entre os estados do sul e os do norte, motivados pela abolição da escravatura. Como resultado ficaram os 620 mil mortos. Escravos, senhores, coronéis e soldados. Todos marcados, assim como muitos outros que pagam por decisões mesquinhas julgadas por alguns como necessária. Decisões que acatamos e, no máximo, arriscamos um posicionamento mantido até o dia em que baterem em nossa porta com um ofício, solicitando a nossa participação na decisão do futuro da nação. Sim, porque nesse momento fazemos parte de uma nação. Assim como Flower, Willie, Robert e Abigail. As cicatrizes deles estão explícitas no romance, as nossas guardamos, fingindo não existir.

9.23.2009

Elite da Tropa


Há algum tempo perguntamos aqui quanto custava a sua moral. Falávamos, na época, sobre um livro do colombiano Gabriel García Márquez. Hoje, com outra ideia na cabeça, perguntamos: quanto custa a sua honestidade? O que lhe faria corromper uma ordem, um preceito ou um juramento? Perguntas que não precisam ser respondidas. Servem apenas como ponto de partida para discutir algo muito em voga neste país tão carente de “verdades verdadeiras”: a corrupção.
Ela que parece estar em todos os setores e assume as mais diferentes proporções de tamanho e gravidade. Uns a praticam por vício, outros por falta de atenção ou por maldade mesmo. É recorrente vê-la presente na política, no entanto, há um bom tempo o termo vem sendo aplicado em outros setores de organização social, dentre eles a polícia.
A segurança pública é um dos gargalos do Brasil. Parece ser um caso perdido. As pessoas sentem medo e não sabem a quem se dirigir. Na dúvida, aumentam os muros, reforçam os portões e se protegem como dá. A falta de “porto seguro”, antes encontrado no policiamento, leva ao desespero e a desesperança. Não é à toa!
No entanto, a insatisfação não é apenas daqueles que esperam o serviço, mas também de quem o exerce. Integrar órgãos como a PM é hoje arriscado e “ridículo”. E motivos para isso não faltam. Com uma valorização salarial desprezível e um caos instalado fica difícil imaginar que haja idoneidade nas funções (não que isso justifique. De forma alguma!). Você parece lembrar de alguma coisa? Talvez o assunto lhe remeta a um forte grito encabeçado pelo mocinho da novela que, exaustivamente, esbraveja: “Pede pra sair!”. Sim! É exatamente isso.
O livro que deu origem ao filme “Tropa de Elite”, “Elite da Tropa”, organizado por Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, se divide em três partes: na primeira apresenta o retrato de um grupo treinado para a guerra. A guerra diária de uma das cidades mais violentas do país, o Rio de Janeiro. Na segunda a obra esmiúça o desenrolar de um (dos tantos) casos de corrupção e politicagem existente dentro das corporações e instituições. No terceiro ponto, uma justificativa; o desabafo de porque escrever sobre as atividades das polícias e os seus bastidores. No entanto, é à corrupção que o livro direciona a abordagem, mais especificamente à praticada na cidade do Rio de Janeiro.
A “cidade maravilhosa”, vista sob outro ângulo, é apresentada em preto e branco; sem espaço para garotas de Ipanemas, nem bronzeados exuberantes. A “Elite da Tropa” sobe o morro e mata; morre; fere; atira e nem sequer sofre. A eles não é concedido o ato de sentir. Treinados para a guerra, querem mesmo é lutar. Eles fazem parte do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), um dos grupos mais requisitados quando se exigia “trabalho limpo”. Criado em 1978, como máquina de guerra, o grupo era sinônimo de lealdade, credibilidade e violência. Ali os soldados gritavam excitados: “sangue frio em minhas veias, congelou meu coração, nós não temos sentimentos, nem tampouco compaixão”.
E é o relato das atividades desse grupo e tantas outras histórias de vida e de morte que você acompanha em “Elite da Tropa”. Hoje, de acordo com o livro, o BOPE não é mais como antes. Nem poderia. Seguiu a moda dos demais setores. E nós aqui “pedindo pra sair” ilesos dessa história toda.

9.17.2009

Marley & Eu


A cada escolha do livro que irá me acompanhar por alguns dias, muita curiosidade e expectativa são depositadas. E não são poucas às vezes em que elas me proporcionam uma prazerosa satisfação. A cada obra, uma história diferente narrada com variadas interpretações. É um mundo novo visitado a cada semana. A partir dessa edição, essa “visita” me é proporcionada pela parceria com a Livraria Livros & Livros. Desde já agradeço o apoio da livraria e, também, a confiança do Jornal Folha do Alto Irani que, há mais de dois anos, recebem meu trabalho. Trabalho que damos sequência com um livro que já mereceu capas de jornais do mundo inteiro: “Marley & Eu”, de John Grogan.
Há quem o critique de maneira negativa, afirmando ser apenas mais uma obra que remete aos já conhecidos romances hollywoodianos; carregados de uma vida que não existe. E, confesso, quase caí nesse erro também. O livro é sim “romântico”; romântico por que é carregado de carinho; boas intenções e alegria. A cada página é como se o sonho de que existe felicidade se fizesse mais presente; a cada dia junto da família Grogan conhecemos uma outra face da vida: aquela que ainda tem colorido; que tem tempo para caminhadas (diurnas e noturnas); que pensa antes de falar; que surpreende com um carinho a pessoa que se gosta... Com certeza faces de uma vida que (azar o nosso) parecemos ter esquecido.
Esquecemos porque abrimos o jornal, lemos e nos defrontamos com fatos impossíveis de arrancar sorrisos. Esquecemos por que, de alguma forma, nos fazem esquecer. Não que exista algum culpado. Histórias são assim e dizem que cada um constrói a sua da maneira que quer.
Ao ler Marley & Eu redescobri um caminho que pensava não existir mais. E, garanto, isso não aconteceu só comigo. Por isso, arrisco afirmar que é um bom livro. Desses que tiram você do estresse do dia a dia e que te fazem querer esse algo mais que, aos poucos, vamos perdendo. Àqueles que acham clichê, talvez até o seja, mas se for para sorrir (e, por que não, chorar), vale a pena. Talvez precisássemos de mais Marley’s em nossas vidas. Nem que sejam verdadeiros terremotos!




Boa Leitura!

9.11.2009

A lei da vida


Todos são regidos por uma lei. Há quem siga a ordenada por Deus e outros as instituídas pelos próprios homens. Através delas, comunidades são organizadas e passam, então, a ser reguladas em prol de objetivos comuns e coletivos.
Leis são, por assim dizer, normas que seguimos para manter um bom convívio com os outros. Da lei de Deus, além dessa “organização”, busca-se respostas e caminhos espirituais. Já a lei dos homens se detém ao cotidiano.
Acima dessas duas leis existe ainda “A lei da vida”; que dita histórias e a sequência que daremos para as próximas escolhas. Na lei da vida muita coisa pode ser alterada através daquilo que chamamos de destino; porém uma coisa é certa, ela tem início, meio e fim. E disso ninguém pode fugir. Acontece que alguns aceitam melhor esse caminho. Outros lutam e esbravejam pensando poder alterar. Impossível!
A lei da vida é incontestável e inexplicavelmente autônoma. Independe daquilo que queremos, desejamos ou planejamos. No máximo, o que se pode fazer é adiantar algo que é certo na história de todos: a morte.
Para ela que somos preparados e para ela que caminhamos. Às vezes isso parece longínquo e vago. Parece! A morte é fato para todos e por isso causa tamanho estranhamento. (Arrisco dizer que) Não há, além da morte, algo que cause tamanha incerteza na vida do ser humano. Mesmo que tenhamos nascidos para morrer, não aceitamos e tornamos esse ato, comum a todos, como um grande mal; motivo para pesadelo e tormento. Não agimos como o velho Koskoosh. Ele que das vistas não tira mais nada e só escuta ansioso o tempo passar. Ele sabe do seu caminho, sabe de como tudo terminará e não luta. Espera. Paciente se deixa ficar sob a boca de lobos ao lado de um fogo que, pelo frio, já se fez morrer.
Koskoosh, protagonista do conto de Jack London, nos mostra uma realidade que fingimos esquecer. Isso porque também ele não passa de um episódio; assim como todos, um episódio da vida. É por tal razão que passamos e tudo fica. Afinal, se fôssemos tão importantes (ou insubstituíveis) como nos julgamos ser, nada ficaria igual após partimos. No entanto, lá estará o ponteiro do relógio correndo, as nuvens brincando de animais indecifráveis, o vento a carregar as folhas e os maços de cigarros vazios caídos na rua; a comida sendo preparada; os planos de outros construídos; um novo espetáculo a cada segundo. Uma peça que cada um encena como pode. Alguns com mais vivacidade e outros esperando apenas pelo som final; pelo último resquício de frio que o corpo é capaz de aguentar até que, entregue, cumpra o seu verdadeiro papel: morrer.


Boa Leitura!

9.07.2009

Os dons das fadas


Se existe algo que nunca cessará o diálogo, podemos dizer que isso se dá com os assuntos que dizem respeito à satisfação. Poucos são aqueles que sentem-se plenamente (digo, plenamente) satisfeitos com tudo o que tem; que não deixam escapar sequer um ruído de “reclamação” sobre o que lhe acontecem e, ainda, no fim de um dia cansativo expressam aquele sorriso no rosto. Ahhh, como são poucos! São poucos por que são humanos. Desses difíceis de descrever, entender ou explicar.
Desses que diferem daqueles que desejam insaciavelmente conquistar algo e quando o fazem, sentem-se vazios; sem rumo; incapazes de apaziguar os pensamentos inquietos e persistentes. Há quem justifique isso pelo fato de gozarmos mais a busca do que a conquista em si. E não falamos apenas de relações amorosas não. Mas de todas as buscas traçadas diariamente.
Lutamos, todos os dias, para desempenhar um bom papel e, de repente, quando a missão parece cumprida vem vindo uma sensação de que voltamos à estaca zero. Como se nada tivesse sido feito, mergulhamos na incerteza de não saber o que fazer.
Tudo bem, nem todas as pessoas parecem ser assim. Até porque, ao falar de comportamento humano é preciso, sempre, fazer ressalvas. Afinal, cada um foi criado de uma maneira, com limitações e liberdades; oportunidades e necessidades diferentes. Mas de maneira geral, em conversas de bar, emails, msn, pessoas desabafam a angustia de sentir-se assim, sem saber o que fazer quando o entusiasmo se vai.
Há quem sugira que isso vá além da escolha e decisão daqueles que sentem o vazio; como se o sujeito nascesse com ou sem “aquilo”. Como se, ainda pequeninos, recebêssemos um dom que nortearia nossa caminhada. Talvez por isso, Charles Baudelaire fale das fadas e os dons que elas transmitem. Para aqueles que acreditam, a dica é “Os dons das fadas”. Um pequeno conto que, de maneira sucinta, revela um dos dias em que, atordoadas, as fadas estavam terrivelmente atarefadas na entrega dos dons a crianças recém nascidas. Ao término do dia, ainda restava um sujeito que não havia recebido dádiva alguma. Então, a ele foi concedido um dom, pouco usual; desses que se originam na imaginação fértil que só às fadas são permitidos.
O sujeito recebeu-o, até porque um dom é intransferível e impossível de renegar. Aceitou-o. Hoje seu filho carrega por aí a maestria de agradar. Há quantos outros esse mesmo dom foi concedido nunca há de se saber. No entanto, podemos arriscar afirmar que talvez esteja nos dons, então, a explicação para a insatisfação. Quem sabe tenhamos nós recebido a dádiva de ser insaciáveis. Talvez... Talvez, também, tenhamos o dom de nos desiludirmos com falsas explicações e justificativas grotescas transmitidas a canal aberto; sem censura; que bate a porta todos os dias no horário nobre e que nós, tolos, aceitamos porque a isso é que fomos preparados.

Boa leitura!

8.31.2009

A hora má: o veneno da madrugada


Quando anoitece e os ruídos somem, o vazio parece tomar conta da escuridão. Percebemos, então, que chegou a madrugada. Nela, muitos dormem, sonham, dançam, cantam, bebem, enlouquecem, choram, transam, fingem ter a esperança de outro dia mais promissor; mas há ainda quem, simplesmente, nada fale, nem expresse. Que apenas se deixa levar por esse momento tênue entre o dia e o a noite.
Na madrugada, mais que durante o dia, tudo pode acontecer. É o tempo em que se engrandece a liberdade, às vezes, escusa; em que podemos ser nós mesmos, sem exageros de regras ou normas.
Aos que desprezam momentos de “boemisses”, não desfrutam dela em sua maneira mais plena. Aqueles que dormem antes que a noite se vá e acordam dia claro não conhecem a madrugada vigorosa e reveladora. Que perturba e desnorteia. Que incita e fascina. Que faz com que rebuliços sejam causados e caminhos alterados. Tal como os de César Montero, Pepe Amador e Pastor. Em comum, estes homens dormiram no momento exato que suas histórias eram invadidas. Poderia, também, nada ter acontecido, mas quando a (dita) moral de um homem é ofendida, espera-se o pior. Como aconteceu.
Tudo isso porque, no instante em que eles ignoravam a vivacidade da madrugada, outros recheavam pasquins com histórias que melhor não arriscar afirmar se verdadeiras ou falsas; boatos ou fatos; casos ou armações; apenas acontecimentos que nem tenente ou padres são capazes de segurar.
Assim foi no povoado criado por Gabriel García Márquez em “A hora má: o veneno da madrugada”. Ali, enquanto uns dormiam e esperavam pelo dia seguinte, outros se dedicavam a encher de colas os papeletes que passaram a atormentar a todos. Como é de se esperar, o governo (que governo?) aliado à igreja decidiu tomar uma atitude: represália. Característica comum nos textos do colombiano e, principalmente, nas terras da América Latina. A repressão, o poderio, as guerras e submissões elevam ainda mais este pequeno povoado ao seu destino já traçado em outros tempos. Terra em que o povo é calorento e desgraçado. Desses que nem madrugas tem para se distrair. Que esperam a hora da morte, como nós esperamos a noite trazer a escuridão e o silêncio.

Boa leitura!

7.30.2009

O bilhete premiado


Quem nunca pensou em ficar rico de uma hora para outra que atire a primeira pedra! Aquele sonho longícuo de não saber o que fazer com o dinheiro; de não se preocupar com as contas; sem precisar poupar no supermercado ou necessitar pensar três vezes antes de comprar um casaco sabendo que a grana vai faltar, deve ser algo, no mínimo, interessante. Talvez um bom exercício para a imaginação. Vamos tentar:
Você acorda, em sua cama gigante, abre o roupeiro e (realmente) escolhe o modelito do dia; deixa a roupa separada; vai para o banho; se arruma. Perfume, maquiagem, cabelo: tudo ok. Vai para a garagem, pega o carro, sente que está um pouco gelado, então, liga o ar condicionado; coloca uma boa música e anda até chegar ao trabalho, claro, sem grandes preocupações com o horário. Para o almoço, um bom restaurante; cardápio diversificado e uma deliciosa sobremesa. A tarde é dedicada a resolver pequenos entraves e à noite, talvez um bom filme, lareira, jantinha caseira, tudo em harmonia com o friozinho do lado de fora.
Voltando à realidade, os pés começam a gelar e os dedos, trabalhando no teclado do computador, queriam se enfiar debaixo das cobertas. Enquanto isso não acontece (mas faltam apenas algumas linhas), eles se contentam em permanecer em ação, à espera dos estímulos enviados pelo cérebro que trabalha pensando o que mais poderia ser feito se, de repente, ganhasse uma boa quantia em dinheiro. Não falo de assalto, gente! Por favor! Não é para tanto. Um bilhete premiado vem melhor a calhar.
Foi ao ler o conto de Anton Tchekhov, “O bilhete premiado”, que me surgiram todos esses pensamentos. Pensamentos que acompanharam também Ivan Dmítritch e a esposa, quando surgiu a possibilidade de ter o seu bilhete premiado. Foi na narrativa dessa possibilidade que despontaram desejos, planos e sonhos ainda escusos do casal. Desses que nem nos damos ao “luxo” de sentir. Eles precisaram de um bom tempo para conseguir sonhar o que haveriam de fazer caso o bilhete fosse mesmo o da vez. No entanto, não necessitaram de tanto tempo assim para imaginar outras coisas também. Dessas que não fazem bem ao espírito; que levam sujeitos tranquilos à loucura; e que alguns dizem ser privilégio dos ricos, atordoados com o mal causado pelo excesso. Exatamente ao pensar nisso que os dedinhos esqueceram do frio e bateram, sem trégua, em letras soltas e vazias. Talvez quisessem dizer que se o excesso faz mal, a falta muito mais. Mas são apenas dedos que nem sequer sabem apostar. (E vamos para debaixo das cobertas, porque o frio em demasia é que não é nada agradável!)


Boa leitura!

7.28.2009

As cinco pessoas que você encontra no céu


Certamente, muitos dos leitores que acompanham esse texto já perderam alguém em sua vida. Não falo aqui das perdas “sazonais”, de pessoas que surgem e somem com a mesma rapidez. Mas sim daquelas que se vão eternamente. Que não podem mais serem tocadas, nem sentidas, tão pouco admiradas. Destas, nem é bom pensar muito. Vai vindo um aperto no coração, um sentimento que não pode ser controlado porque é fruto de algo que não entendemos. De repente, tudo o que foi dito, os planos, sonhos e projetos se perdem numa batida de carro, numa parada cardíaca, num acidente doméstico tolo que, simplesmente, leva alguém que estava ao nosso lado. Alguém que, poxa vida, não era justo. Este sentimento, garanto, foi experimentado por diferentes pessoas em fases distintas da vida.
A incompreensão deixada pela morte é algo que “só quem fica para saber”. Este é o nosso lado na conversa. O nosso ponto de vista. O único, por assim dizer, já que não temos contato com a “outra face” (para aqueles que acreditam que ela existe, claro). No entanto, certo dia ouço o comentário sobre um livro intitulado “As cinco pessoas que você encontra no céu”, de Mitch Albom, que traz a experiência de Eddie ao chegar ao céu e pensei: que pessoas seriam estas?
Assim como inúmeros outros seres simples e comuns, o personagem principal do livro por vezes se vê entediado e acometido por um triste sentimento relacionado a sua vida. A insatisfação, o desejo que não fora realizado, o sonho deixado para traz, as dificuldades, os imprevistos, empecilhos e impedimentos que conhecemos muito bem, fizeram Eddie levar a sua vida como se fosse um fardo. Desses que simplesmente carrega-se, sem saber para onde, o porque é tão pesado e se é possível deixá-lo no caminho. Não sabemos disso. As coisas vão acontecendo em nossas vidas e de repente a única pessoa que não parece decidir nada do rumo a tomar é você mesmo. Como se fosse transformado num ator, você decora as falas e interpreta da maneira que dá. Não questiona. Apenas faz o que deve ser feito.
Assim foi com Eddie Manutenção e assim é com tantas outras pessoas que parecem não ter escolhido o caminho. Simplesmente seguem andando. Se é uma maneira de conforto, não sei, mas Eddie descobriu muitas coisas ao encontrar as cinco pessoas no céu. Cinco seres que passaram (rápida ou morosamente) em sua vida. Pensei então em quem encontraria: seriam indivíduos conhecidos? Pai? Mãe? Amigos de infância? A primeira professora do colégio? Não consegui imaginar quais seriam “os escolhidos”, apenas pensei que, se existe céu, se realmente tivéssemos a chance de chegar lá e entender o porquê tudo aqui aconteceu desta forma, é uma maneira de levar acalanto à inquietação diária. Mas, também deve nos fazer pensar que, de repente, não seja preciso tanto para entender algo que nós mesmos fazemos parte. Talvez, devêssemos ser palavra mais atuante nesta peça e decidir, por exemplo, para que lado será dado o primeiro passo do dia.


Boa leitura!

7.22.2009

Em legítima defesa


Algumas pessoas devem ter o que um bom amigo meu chama de “estrela”. Pessoas que parecem estar sob a luz de algo muito maior que as orienta em direção aos bons caminhos que a vida pode oferecer, seja na vida profissional, amorosa ou social. Pessoas assim, de acordo com a presente definição, não são facilmente encontradas. Existe uma entre dez (talvez mais, talvez menos). São daquele tipo que você percebe na hora que tem algo a mais. O mérito da “estrela” ainda não foi descoberto, enquanto isso julga-se que seja algo totalmente involuntário ao querer ou não do indivíduo que a carrega.
No entanto, tal como existem pessoas com uma “estrela” existem outras que parecem ter nascido para ofuscar. Pessoas que não contentes com suas próprias obrigações e deveres, intermeiam outras realidades e colocam ali uma nuvem: escura e pesarosa. Pessoas como a esposa do bom fidalgo, protagonista da história de Daniel Defoe, “Em legítima defesa”. Ela, atual esposa do fidalgo, faz de tudo para que ele atenda a seus pedidos e assim esqueça as próprias vontades, ora por cansaço ora por tamanha obstinação da mulher. Dessas pessoas, não precisamos nem falar muito, todos conhecem alguém que se encaixe nas definições.
Mas, afinal, há pessoas de todos os tipos. Sem contar aqueles que fingem ser o que sequer sabem fingir. E ao cairmos nessa discussão de “biotipo estrelar”, entramos (quase automaticamente) no assunto que diz respeito às ações destes indivíduos. Algumas das quais nos levam à beira de desacreditar naquela esperança que mantém de pé sonhos e intenções. Esperança de encontrar o seu lugar; fazer um bom trabalho; conviver e conhecer pessoas especiais. Esperança que faz com que absurdos sejam, então, tomados como verdade, mesmo que por fim, façam parte de uma realidade bem mais fria e desajeitosa. Uma realidade que não cansamos de imaginar como um sonho. Destes como o que alertou o fidalgo a não tomar uma atitude que fosse contra sua consciência. Funcionou com ele que ainda tem consciência para pesar. Mas, claro, coisa de poucos. Como as estrelas.


Boa leitura!

7.08.2009

Tique... Taque


Dificilmente escutamos o silêncio. E, num primeiro momento, isso até parece meio antagônico já que o silêncio não emite ruído qualquer. No entanto, talvez por isso alguns digam o sentir. Mas, aí já é outro “departamento”; cabível apenas às pessoas extremamente sensíveis e com um bom tempo para parar e refletir sobre o que vem de dentro (quase profundo isso!). Por que o silêncio, diferente do barulho do caminhão, não dói no ouvido; se aconchega suave a ponto de nem o percebermos. E aí está um possível “problema da vida moderna”: ouvir coisas demais e não sentir.
Fazemos inúmeras coisas que até esquecemos de perceber, batendo na pele, outras tantas; coisas que não gritam, que sequer podemos tocar; dessas que não têm no mercado e nem dá pra por no cartão de crédito; mas que nem por isso deixam de ter a sua importância. É algo como o tique taque do relógio: o tempo poderia, tranquilamente, passar sem ele, sem ruído; só pela mudança dos ponteiros e nada mais. No entanto, ali está “tique taque, tique taque” repetindo-se de maneira despretensiosa e parecendo não perceber que precisamos que ele vá mais devagar; que ele pare em alguns momentos. Então, ele simplesmente corre e, de repente, escutamos um estrépito maior quebrando o silêncio e percebemos, então, que o dia passou; as atividades não foram cumpridas e, sim, pode acreditar, já fazemos parte de um novo dia começado aos trancos.
Por ser algo rotineiro, não são todos os que conseguem distinguir este som; diferenciar um relógio de um trovão ou de um grunhido é apenas para alguns. Outros, só escutam, sem saber ao certo o quê. Escutam, esquecem e continuam vivendo. Se isso é melhor ou pior, quem poderá dizer; apenas não diferenciam mais o barulho do tique taque. Quem sabe tenha sido essa a grande causa da demência de Arturo de Maracielos: não escutar mais o som e ao mesmo tempo ser o som; ser a máquina do relógio; controlar os ponteiros. Ou, de repente, talvez ele seja mais um dos tantos “dementes” que apenas fingem ser; e desses, temos aos montes: uns que não sabem de nada nunca; outros que põem a culpa no companheiro do lado; e aqueles que furam a fila fingindo esquecer de algumas normas. É a trapaça, a ganância, a esperteza disfarçada de loucura; a demência de querer ser um relógio para controlar o tempo, no entanto, nem este, nem o silêncio são domados.


* Tique... Taque, de Alarcon.

Boa leitura!

6.24.2009

Leite Derramado


Na semana passada, falávamos de memórias. Dessas que surgem sem mesmo desejarmos e das que tentamos, tentamos e nada! Fingem desaparecer. E é tentando lembrar o foco tratado anteriormente, que também de memórias trataremos nesta resenha. Mas agora outras memórias. Dessas que são íntimas e que, no entanto, gostaríamos de transmitir a outros. Memórias que não veem em ordem cronológica e sequer representam a verdade dos fatos. Simplesmente memórias de alguém que viveu um bocado de tempo e sente que o seu papel estará cumprido depois que fizer este último “serviço”.
Há quem diga que todos devem ter a experiência de escrever um livro e alguns o fazem mediante experiência profissional; outros, mais audaciosos, escrevem memórias tal como a que falávamos acima. Memórias que Chico Buarque de Hollanda recria tão bem em “Leite Derramado”, recente livro lançado pelo poeta e escritor.
No livro, temos memórias que às vezes se repetem, levando a crer na demência do relator. Porém, a fim de evitar que esta injúria aconteça, ele logo se defende e diz: “não é por demência senil, é porque certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida”. É, talvez senil não seja, realmente, a palavra adequada para descrever alguém que menciona isto. Nada mais certo e verdadeiro que a repetição de histórias em nossas vidas.
Os dias passam de tal maneira que tudo parece se repetir, sempre. Acaba virando monotonia e, de certo para que não caíssemos no derradeiro fim da repetição, inventaram as novidades, também chamadas surpresas. Estas geralmente acontecem de maneira mais escandalosa na vida afetiva dos indivíduos. Se passa assim: você leva a vida fazendo as coisas tal como julga ser o adequado; passa um ano, dois, três ou simplesmente alguns dias e meses, não importa. O tempo passou e a cada instante em que você percebe que “está tudo na mesma” bate aquele aperto e uma sensação desgraçada de não sentir mais “tesão” nas atividades rotineiras. Até o momento em que, para provar que nem tudo está perdido, você é acometido por um inesperado acontecimento. Algo que te tira da mesmice, te faz rir e pensar em voz alta: “poxa, e não é que isso aconteceu”!.
Pois é, mas não se anime muito não, logo surge algo que te leva de volta à realidade. Isso porque, mesmices só são alteradas por acontecimentos que levam a gente sorrir um sorriso mais verdadeiro, e que logo se vão embora, porque, do contrário, perderiam a graça. Assim elas somem, ficam na memória e um dia ou outro lembramos delas. E, daí, talvez até tentemos colocá-las no papel a fim de montar uma narrativa de algo que julguemos importante. Talvez elas desapareçam como um todo ou não. E isso ninguém, a não ser o tempo, poderá dizer. Somente ele possibilita a existência de memórias nem que seja para esquecermos da realidade. Esquecer que se passaram anos e a Matilde não voltou, como no livro. Às vezes acontece: as pessoas vão embora e não voltam mais. Ficam apenas no espaço a elas reservado em parte de nossa história que, quiçá um dia, seja tratada como a de Eulálio d’Assumpção.


Boa leitura!

6.23.2009

Os funerais de mamãe grande


Quem já não tentou lembrar de algo extremamente importante, sem sucesso, mas que, sem querer, manteve na ponta da língua uma música que sequer suportava? É... coisas dessa máquina humana que ainda carecem de maiores explicações cabíveis ao senso comum. Afinal, todos temos memória, isso é certo! Uns, mais aguçada (a chamada de “elefante”), outros mais relapsa, mas todos a temos sobre inúmeras coisas e fatos absorvidos diariamente. Essa memória por vezes parece encher-se e, cheios mesmo, nos sentimos quando ansiamos por falar de algo e este escapa como se nunca o tivéssemos conhecido. Isso acontece porque nossa memória se retroalimenta; não consegue manter tudo a postos a qualquer chamado do cérebro; assim, as informações recebidas ficam armazenadas em uma parte de nossa mente à espera de que sejam utilizadas, mesmo que pareçam esquecidas. Todo esse processo se deflagra graças à imensidade de informações recebidas.
Entretanto, mais do que lembrar ou esquecer de datas, convites, nomes de livro, músicas, senhas e afins, a palavra memória tem um caráter de significar algo de importância (para alguém ou de alguma coisa). E, humanos que somos, nos apropriamos de uma vaidade que nos leva a pensar em sermos (em algum momento) lembrados e que estamos presentes na memória viva de outra pessoa sendo, assim, “importantes”. Nem sequer colocamos o assunto muito à prova: apenas imaginamos que somos “lembrados” e pronto, ego alimentado! No entanto, quando acometidos por um acesso de modéstia, nos percebemos recebendo alguma crítica (ou qualquer coisa do gênero) sobre algo que sequer lembrávamos de ter feito, bom, aí é, como dizem, “mara”! Porém, muitas vezes essa lembrança vem, apenas, acompanhada do silêncio imposto pela morte e aí nada de vaidades ao defunto. Até porque, nem um “muito obrigada” este poderá lhe oferecer. Mesmo assim, como se esquecêssemos deste pequeno detalhe intermitente da morte, criamos (fortalecemos) o hábito de lembrar e honrar certas pessoas apenas quando elas “se foram”; quando não fazem mais parte do mundo da matéria e ficam somente na lembrança, disputando um espaço melhor intencionado em nossas cabeças. É dessa memória que nos fala Gabriel García Márquez, em “Os funerais de Mamãe Grande”.
Em uma história de lutas, como foi a antiga Macondo, com heróis falidos, calor escaldante, a sombra das amendoeiras, as crendices, hábitos e lendas, característicos intrínsecos à cultura de países da América Latina, o autor colombiano nos leva até o povoado em que se passa a narrativa e nos coloca de frente à Mamãe Grande. São oito crônicas reunidas e no centro delas um funeral. Não qualquer funeral, mas sim destes de, realmente, ficar na memória; com a presença de autoridades políticas, pontífices e os mais altos escalões que um universo criado por Márquez é capaz de compor.
Mamãe Grande ansiava por viver até os cem anos, não pode. E não poderia, também, ter imaginado tamanha aclamação ao seu desgastado corpo embalsamado que, por mais de 48 horas, recebia congratulações e palavras de conforto (coisas das quais são comuns em momentos como este). Ao se despedir de Mamãe Grande, Macondo se despedia (aliviada?), também de uma parte de sua história que, a partir daquele corpo estendido, passava a ficar no passado e que, talvez, até fosse esquecido, mas estabelecia algo como uma linha do tempo sob os olhos atentos dos urubus.


Boa leitura!

6.11.2009

1968: o ano que não terminou


Bons tempos eram aqueles do colégio; o intervalo; as amizades; o barulho ensurdecedor dos gritos, falas, risos; tudo guardado num passado que, “poxa vida!, Era bom e não sabíamos o quanto”. Nesse mesmo colégio, a estrutura “não era lá essas coisas” e, então, alguns professores eram adaptados à disciplina que estava em maior carência e aí o mesmo que trabalhava “ensino religioso”, dava “artes” e “educação física”. Na época, isso era até engraçado (muito pela falta de destreza do educador para tanta diversidade), mas hoje, todas essas lembranças, além de nostalgia, nos fazem pensar que perdemos algo que faz sim, muita falta. Um exemplo são as aulas de história: víamos o comunismo, o socialismo, a divisão política do mundo, Era Vargas, Diretas Já e por aí vai. Aprendíamos esse conteúdo como parte de uma história distante, quase incompatível com a atual realidade. Os anos passam e, de repente, você, de livre e espontânea vontade, opta por uma leitura de fim de semana e adivinhem: escolhe um livro como o de Zuenir Ventura, “1968: o ano que não terminou”.
Nele vemos falar de jovens rebeldes, admiradores de Marx, Che Guevara, desses barbudos e cabeludos, destemidos, pouco preocupados com qualquer vestígio fútil de estética; jovens que se juntavam para (pensem só!) discutir política. Esses mesmos jovens tinham ideais em comum: lutar contra a injustiça, melhores qualidades de ensino, liberdade de expressão (e aqui não cabem clichês) e liberdade para produção artística; jovens “com a história na mão, aprendendo e ensinando uma nova lição”, tal como disse Geraldo Vandré na canção que virou hino de um período (Pra não dizer que não falei de flores). Jovens que, como conta Zuenir, quando questionados sobre sua “admirável tática de guerrilha urbana” respondiam: “tudo o que nós sabemos, aprendemos com a polícia”.
A obra apresenta entrevistas, depoimentos e recortes de textos publicados em jornais, revistas, livros e documentos referentes ao funesto ano de 1968. Porém, mais do que isso, faz um retrospecto na trajetória política de um país hoje visto como calmo e pacato. Desde a festa de reveillon na casa de Heloísa Buarque de Holanda à efetivação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) conhecemos um outro Brasil. De maneira exemplar, o jornalista narra todos os acontecimentos desse importante ano na vida política do país. “Debaixo de uma apagada e vil tristeza, o ano chegava ao fim – o ano, o capítulo o livro. Os dois últimos por falta de autor –, também ele, como todo mundo, levado pelo arrastão”. Assim termina o livro de um ano sem fim na memória de muitos brasileiros. Um ano que emociona e revolta. Nos faz pensar que a história talvez pudesse ter sido diferente se, quem sabe, tivéssemos visto a luta desses jovens, artistas, autônomos, estudantes, jornalistas, advogados; se tivéssemos ouvido os gritos e gemidos impostos pela tortura; se pudéssemos ter imaginado o quão sofreram aqueles que quiseram lutar pelo tal progresso inscrito na bandeira nacional; talvez, se tivéssemos tido a sensibilidade (oportunidade?) de conhecer pessoas como Vladimir Pereira pudéssemos entender o que esse país tem; saber qual a sua doença, porque covardia não é. Dessa, só aqueles que impuseram a miséria e a ditadura sabem falar. Hoje, como uma das tantas ex-alunas de escola pública, percebo que era deles que devíamos ter ouvido falar; era eles que deveríamos ter contracenado nos desfiles de 7 de Setembro; deles deveríamos nos orgulhar, pois se ainda existe algum sentimento de esperança é pela luta que eles travaram contra o maior de todos os inimigos: o egoísmo. Talvez aí, saberíamos na ponta da língua o que é esse tal de PIG*.

* PIG - Partido da Imprensa Golpista, nas palavras de Paulo Henrique Amorim.
Boa Leitura!

6.01.2009

Estranhos no Paraíso


O fato de conhecermos algumas coisas não nos dá autoridade para que dela falemos sem medo de errar. Esses “equívocos” podem acontecer em textos (como este), em falas e, claro, em “fatos da vida real”. Aliás, é nessa que geralmente mais tropeçamos naquilo que “poxa vida, eu jurava que ia dar certo”.
Pois é... nem sempre esse “certo” acontece e aí, o que fazer? “Nada!”, talvez seja a melhor resposta; ou “Tudo!”, dependendo de a quantos volts você está ligado. É, talvez esse texto seja a prova viva de que o erro acontece (principalmente para aqueles que falam dele). Mas, ainda assim me arrisco. Por dois motivos: primeiro porque falando em relações humanas todos podemos errar/acertar ou os dois juntos. Em relacionamentos tudo pode acontecer, inclusive quando ninguém poderia imaginar. E segundo, não menos importante, porque fui induzida a tal, através do livro “Estranhos no Paraíso”, de Olsen Jr.
Na obra, o escritor catarinense fala sobre a vida de uma família: pai, mãe, filho e filha. Cada um deles com a sua percepção sobre a realidade que todos desfrutam: o pai, que desistiu de alguns sonhos por perceber que a utopia não o tinha levado a lugar algum; a mãe por se imaginar louca e, então, louca ficar; a filha por tentar fazer de conta que apenas uma viagem seria capaz de fazê-la esquecer de tudo o que não vive; e o filho, músico, que sofre de uma doença ainda desconhecida na década de 60. É assim, depois de um dia de relatos e confissões, que conhecemos estes quatro brasileiros que se percebem estranhos num paraíso por eles mesmo criado.
Mas, antes que se possa pensar que o livro traz apenas um diário de uma família infeliz, é preciso dizer que, além disso, o autor nos fala de contestação. A contestação vista (ou sentida, como achar melhor) de diferentes ângulos e, principalmente, o que é feito dela. Aproveitando o período político pela qual o país passa na época, os desejos, aflições, sonhos e lutas, o autor comenta sobre essa contestação tão banal que é dizer “não”. Não apenas por dizer, mas por sentir, por querer, por viver. E, mais incrível ainda, dizer “não” para, no fundo, dizer um “sim” ainda mais fervoroso pelo que se conquistou do “não”.
É destes estranhos de que fala Olsen Jr. Desses que dizem não pra ter um sim. E que, por mais absurdo que possa parecer, muitas vezes sofrem e esbravejam em sua forma de luta. Aqueles que não concordam com tudo; que não aceitam, simplesmente; aqueles que dizem o “não” a alguma coisa para que isso possa representar um “sim” para outra. Quase que brincando com as palavras, compreendemos como isso nos diz coisas importantes; dessas que nem sempre percebemos e que, às vezes, sequer nos damos conta. Dessas que costumamos a dizer sim, por ser mais rápido, cômodo e prático, sem ao menos arriscar um não. Um não como esse que me fez acreditar ser possível escrever sobre sim e não, mesmo morrendo de medo de errar e (aff!) perceber que sempre falamos e nunca dizemos nada.

Boa leitura!

Que farei com este livro?



O ser humano é feito de sensações. Sentimo-las das mais variadas formas e em diferentes intensidades. O fato é que elas sempre estão ali: junto daquilo que fazemos. Se vamos ao mercado, sentimos a sensação de “realização” (afinal, trabalhamos para desfrutar dessa compra); se estamos com a namorada, sentimos que ali nada está totalmente completo e definido; sentimos também a sensação de vazio que vai se preenchendo ao passo que viramos a página de um livro, enfim, milhares de outras sensações poderiam ser aqui citadas, não fosse a sensação de falta de memória de quem escreve.
Não obstante, falemos exclusivamente daquelas sentidas quando desempenhamos algum serviço ou algo que se queira há bastante tempo. Assim, que terminamos, sentimos um misto dessas sensações (subjetivas em qualquer descrição) e, então, a concepção do que ela possa significar fica mais difusa. Para alguns, mais do que um trabalho, o ato de fazer algo que tenha a ver com o desempenho profissional diz respeito à realização e daí surgem sensações de “dever cumprido” e aquele gostinho de não ver a hora em fazer de novo para se satisfazer; mas, há também, os que, simplesmente, não sabem o que fazer com o resultado em mãos.
Assim acontece com Luiz Vaz de Camões, quando vê impresso seu livro “Os Lusíadas”, em 1572. A história da “impressão” dessa obra (e mais duas peças) é narrada por José Saramago e pode ser acompanha em “Que farei com este livro?”, pergunta que também se faz Luiz Vaz de Camões ao tocar em seu trabalho finalizado.
Por todo o reino de Portugal ele, Camões, era conhecido e assim foi para cada um dos que liam os textos que desenvolvia. Camões, após retornar das Índias, onde passou dezessete anos, negociou com a Inquisição e com a corte portuguesa a permissão para publicar a obra que viria a ser considerada a maior de toda a língua portuguesa. Mas, assim como hoje, fazer um trabalho e as outras pessoas reconhecerem nele um esforço é totalmente diferente de receber apoio ou mesmo incentivo para que ele, realmente, aconteça. Assim foi com o português e assim é com tantos outros Luizes que lutam diariamente para fazer de seu trabalho espaço de satisfação e encontro de sensações.
O fato narrado por Saramago aconteceu há mais de quinhentos anos e, mesmo assim, é como se ao virar as páginas encontrássemos ali mais um Pedro ou João que esbravejam seus sonhos aos quatro ventos; desses que fazem de desejos a realidade; que apesar de manter os pés no chão conseguem mais do que apenas repetir funções e deveres; pessoas que muitos não conseguem compreender e que ainda julgam como loucos, utópicos e (acreditem) enfadonhos. Pessoas como Torres, da segunda peça apresentada no livro (A noite): um jornalista que vê a redação em que trabalha se transformar numa verdadeira maquete da “grande” Portugal em plena Revolução dos Cravos (1974). Desses dois sujeitos nos restam a vontade de tocar em algo que seja, ao mesmo tempo, verdadeiro e sensível; que seja real como as pessoas que compõem as peças de Saramago. Nem que seja para que ao final apenas nos perguntemos o que faremos com este livro. Porque talvez a resposta seja curta e mais prática que o imaginado: repassamos e indicamos a outros que também queiram apreciar mais uma boa narrativa do escritor português e sentir aquelas sensações de que falávamos no início.

Boa leitura!

5.12.2009

Relato de um náufrago


Todos os dias quando ligamos a TV, percebemos o surgimento de um novo tipo de herói. Esses, já não são mais como aqueles da infância, de espadas e super poderes. Hoje, nem eles, nem os bandidos são facilmente identificados. Pudera, com tamanha corrupção e falta de bom senso em diferentes setores da sociedade, perceber boas ou más intenções fica meio difuso nesse emaranhado de acontecimentos. No entanto, ainda perseverantes, buscamos alguma figura que nos pareça com os antigos heróis. Alguns deles surgem no esporte e nos salvam da realidade apática, nos levando ao delírio na torcida, aplaudindo, clamando por mais um gol, mais um ponto; heróis também surgem na música, mas esses, ultimamente, tem tido vida curta; também existem os dos filmes hollywoodianos, com grandes máquinas a seu favor e uma bela mocinha como vítima; e, não podíamos esquecer, aqueles de verdade; que surgem de histórias que, nem em filmes, poderíamos acreditar que fossem capaz de existir.
Exemplos desse último caso acontecem muito fortemente em países onde a desigualdade de renda ainda prevalece, em que histórias de vida surgem todos os dias, com novas surpresas e revelações. Para vê-las basta prestar um pouquinho mais de atenção nas conversas paralelas do ônibus; no olhar e sentimento explícito em cada rosto que encontramos pelas ruas. São histórias de pessoas que fazem verdadeiros milagres para sobreviver; que lutam incansavelmente pela garantia de seus direitos, de sua dignidade e, quem sabe, bem lá no fundo, um pouquinho de felicidade também. Histórias, geralmente, esquecidas e que vem à tona por alguma razão em específico, mas que posteriormente voltará ao esquecimento.
Esses super heróis não imaginam que um dia possam ser reverenciados como tal, tampouco pensaram na fama, status e as possibilidades que disso surgiriam. Heróis do cotidiano ou heróis como Luís Alexandre Velasco, o sobrevivente de um naufrágio ocorrido na Colômbia, em 28 de fevereiro de 1955. “Não fiz nenhum esforço para ser herói. Tudo o que fiz foi para me salvar”, relata Luís Alexandre para o jornalista e escritor Gabriel García Márquez.
Velasco sobreviveu ao naufrágio do destróier Caldas, da Marinha de Guerra Colombiana. A história é real e foi divulgada por inúmeros veículos de comunicação de diferentes cidades. O livro, organizado por Márquez, é a junção de todos os textos publicado no jornal El Espectador, de Bogotá.
O navio viajava de Móbile, Estados Unidos, para o porto de Cartagena, ao qual chegou duas horas depois da tragédia. Dos oito membros da tripulação que caíram no mar, apenas um sobreviveu e pode contar toda a sua saga de sobrevivência dos 10 dias em que passou à deriva em uma balsa, cercado apenas por água e sol. A tragédia teria acontecido por uma tormenta no Mar do Caribe, muito embora, após os relatos de Luís Alexandre, todos ficassem sabendo que nunca houve tormenta. E, como tem coisas que melhor mesmo é que fiquem em segredo, a revelação custou, entre outras coisas, o fechamento do jornal, o abandono de Velasco da Marinha e o esfacelamento da recente fama do novo herói colombiano.
“Em todos os momentos, tratei de me defender. Encontrei sempre um meio de sobreviver, um ponto de apoio, por insignificante que fosse, para continuar esperando”, lembra o náufrago nos fazendo perceber que talvez tenhamos mais coisas em comum com esse novo herói que apenas a condição em que se encontra. Talvez devêssemos perceber qual o ponto de apoio em qual nos agarramos e sobrevivemos; perceber se esse ponto vale mesmo a pena ou se o melhor é se deixar levar, sem esforço algum, na espera que alguém nos encontre. Velasco, por várias vezes, pensou em agir dessa maneira e por mais que afirme apenas ter esperado, ele lutou por aquilo que nem sabia se era alucinação ou verdade, por aquilo que ele nem tinha certeza se iria encontrar. Talvez, por isso mesmo tenha sido aclamado como herói.


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5.05.2009

Me alugo para sonhar

Desde pequenos somos orientados que no futuro deveremos escolher por determinada profissão e, de preferência, nos dedicar a ela com fervor e vontade. Alguns acertam, outros mudam, escolhem de novo, outros não têm possibilidades de escolher e, felizes mesmo, são em trabalhar no que der. Enfim, cada um com sua história e suas escolhas/obrigações traçam um caminho. Nessa trajetória conhecemos pessoas parecidas, outras que jamais imaginávamos existir e aqueles que tanto fez, como tanto faz.
É nesse encontro com diferentes pessoas que descobrimos a diferença e, principalmente, o que significa a “identidade” de um ser humano. Cada um, ao seu jeito faz coisas diferentes e nos surpreendem por isso. Às vezes, uma grande amizade pode surgir num esbarrão na rodoviária, no mercado ou na fila de um banco. O certo é que para nos “tornarmos amigos” precisamos sentir com a outra pessoa o mínimo de afinidade e simetria de pensamentos. Claro, não esqueçamos aqui aquelas amizades que surgem mais pela estranheza do que por “complacência”.
Mas, voltando a falar sobre profissões, nelas estão grandes pontos de ligação entre pessoas diferentes. Às vezes o encanto com o trabalho de outra nos transforma em admiradores e depois em grandes amigos. Já conheceste, por exemplo, alguém que sonhasse? Não por hobby ou esporadicamente, mas que tenha como ofício o ato de sonhar? Não?! Então, procure por Frau Frida. O trabalho dela é sonhar. Assim ela ganha a vida. Desde pequena sonhava e, melhor que isso, interpretava os sonhos. Dessa maneira, fazia o que sabia de melhor: sonhar. Para encontrar Frau Frida procure o conto “Me alugue para sonhar”, de Gabriel Garcia Márquez, publicado em “Doze contos peregrinos”.
“Eu me alugo para sonhar”, era o que dizia Frida a qualquer um que a questionasse sobre seus afazeres. Com tantas maneiras de prostituição que as pessoas tem se entregado à ganância em suas profissões, se alugar para sonhar, com certeza, é algo encantador, para não dizer mágico. Sonhar e entender o que se sonha. Ter a capacidade de sonhar em dias tão impuros, com ar pesado, cheiro de podridão vinda de todos os lados, é mágico sim! Talvez mais pessoas devessem se alugar assim, sem perder a dignidade, nem o bom senso e, muito menos, a sensibilidade. Precisamos de mais pessoas como Frau Frida. Precisamos de pessoas assim na gerência de empresas, no poder do Estado e em nossas casas.

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4.14.2009

O ovo e a galinha

Quando pensamos em nossa vida (o que não acontece a todo o instante), por mais modestos que sejamos, sempre sentimos em nós uma utilidade. Algo que pensamos não ter outra pessoa capaz de fazer, falar ou escrever, nem que seja a mais ínfima utilidade de fazer outra pessoa feliz. Sabemos que há muito chão pra percorrer, que não somos os melhores, nem os mais justos e corajosos. Não esperamos ganhar uma medalha, mas sabemos que, de alguma forma, e por algum motivo, somos importantes.
Assim pensava até ler o conto de Clarice Lispector, “O ovo e a galinha”, ao qual me defrontei com outra possibilidade. Após anos tencionando que era “importante” e que merecia esse tempo de passagem pela vida, a autora aparece com a idéia de, talvez, sermos apenas corpos agentes utilizados para “camuflar” algo de maior que existe dentro de nós.
Esse pensamento leva a esquecer a noção de individualismo e até mesmo a de ser humano. Como “agentes disfarçadores” perdemos toda e qualquer caráter de autenticidade, conhecimento, poder decisório. Nada mais existe que não um corpo carregando algo, tal como faz o ovo com a galinha. Ela é apenas um espaço que abriga o ovo, diz a autora. Um corpo do qual o ovo se apropria para seguir o seu caminho. Tudo o que ela faz é apenas para disfarçá-lo de modo que ele exista.
Pensei, então, no que nós fazemos; o que guardamos dentro de nós; o que disfarçamos; qual o ovo se utiliza de nosso corpo? Será que conseguimos perceber isso ou apenas guardamos algo do qual nem imaginamos?
Quando fala do ovo, Clarice Lispector traz ainda a idéia de que se olharmos demais para ele, o perdemos. Ou seja, ele é ovo até que olhemos para ele. Depois que pararmos o olhar e um pouco mais de compreensão, ele se perde. Nada mais é que um ovo quebrado.
Talvez isso também aconteça conosco, agentes do ovo. Talvez seja essa a grande contradição do ser humano: olhar demais para entender. Entender e perder, pelo simples fato de que tudo é puro e único até que alguém olhe, até que alguém se atreva a simplificar em palavras. Quando isso acontece, o ovo quebra e a galinha seca. Sem interior, nem razão para viver.


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O cheiro do ralo


Já falamos aqui da insatisfação natural da qual sofre o ser humano. Na verdade, talvez não seja assim um sofrimento. O que é certo é que traçamos objetivos e é atrás deles que corremos, literalmente. Apostamos nossas fichas, deixamos de lado outros projetos (que um dia também tiveram seu grau de importância) e nos dedicamos única e exclusivamente a pensar em nosso mais novo meio de saciar uma vontade.
Abstrato demais? Então, pense, lembre ou invente: você encontra uma pessoa, acha-a bacana, pensa em investir, encontra-a de novo, percebe que, realmente, vale a pena correr atrás. Usa de todos os teus artifícios (sensuais e criativos) e enfrenta o mais novo desejo. O caso acontece e (que bacana!) você percebe que valeu todas as investidas mesmo. Com isso, tua mais nova “meta” é repetir a dose. Então, procura ideias, lê manuais, guia dos signos e segue em frente. Quando você acha que chegará a satisfação plena, você se percebe cansado. Já não tem mais a empolgação, nem tanto desejo. Alguns dirão: “Ah, mas ele não encontrou o verdadeiro amor”. Não, não falamos do amor. Nesse assunto, não nos arriscamos a falar. Falamos da busca, do desejo, do prazer em realizar algo.
A busca, seja sexual ou profissional, é como uma droga: causa um barato, mas, na verdade, toda a sua essência se mantém na necessidade que o indivíduo sente em repetir a dose. Ou seja, você luta, conquista e quer mais. Algumas pessoas, claro, não pensam assim: agarram o que tem e formam como se fosse uma bolha ao redor, sem chance de que alguém fure ou mude o que já está posto. Quem está certo nessa loucura toda é uma definição que não cabe a dicionários. Cada um vive e constrói a sua redoma.
Àqueles que preferem não “mexer no que está quieto”, muita complacência e pouca inspiração. Aos insanos, que nunca se satisfazem com nada, é preciso apenas a vida e a (in) certeza de que nada está (nem estará) completo e fechado. Tal como para o dono da loja de antiguarias em “O cheiro do ralo”, de Lourenço Mutarelli. Este careca, bom negociante e homem inquietante, tem uma busca incessante que convido os leitores a conhecer. Ele também tem um ralo (que fede!). E é entre o ralo e busca que toda a narrativa se constrói. Ele tem um apetite que se esconde atrás de coisas (bundas e olhos) das quais já falamos até aqui: desejo e satisfação; o inatingível e o querer.
É com sagacidade pura que o autor nos esclarece que, realmente, o que o careca buscava não estava nem na bunda, nem no ralo. Nem tampouco em outro lugar. O que ele buscava era só a busca. Por isso, continua o autor, quando percebemos que, apesar de tudo, não nos realizamos plenamente, só sentimos um imenso cansaço. “Só um vazio. Só a certeza do incerto”. Sentimos uma vontade de parar com tudo e, de repente, tentar ser mais sereno, menos inquieto. No entanto, estamos em casa e, sem mais nem menos, sentimos o coração batendo descompassado e descobrimos algo novo para buscar. Algo que nos faça acreditar e que nos leve, sempre, a desejar que o amanhã chegue logo. Que chegue quente e voraz. Como tudo.


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4.01.2009

Tristessa


Às vezes, quando escolhemos o livro que irá nos acompanhar por algumas horas, o definimos mediante uma intenção e não são poucos os momentos em que nos surpreendemos e percebemos que, meu deus, como não tínhamos percebido isso antes?! Esse é um dos encantos da leitura: te colocar de frente a uma realidade que, no máximo, você poderá imaginar. Realidade que irá ser elaborada de acordo com o espírito de cada um. É por isso que, quando recebemos uma dica sobre determinada obra, vale a pena conferir, sempre! Se alguém já leu e te falou “putz, o livro é bom pra caramba”, pega emprestado e mãos à obra.
Mas, como opiniões são muito particulares, no instante em que você abri-lo ele poderá ser outro, muito diferente do que você esperava. Esplêndido! Surpresas são a base de uma boa narrativa. E, então, vamos nós à busca de mais um desconhecido. Todo esse blá blá blá para comentar sobre uma das últimas dicas recebidas: Jack Kerouac, escritor franco-americano, autor de, entre outras obras, “Tristessa” (1960).
No romance, tudo o que há é desolação e compaixão pela própria compaixão sentida pelos destinos tristes tomados e, claro, a compaixão pelo sofrimento humano. Esse sofrimento de que nos fala o autor permeia diferentes áreas da nossa vida. Sofrimento inmaterial e sofrimento de pele (corpo), tanto faz, qualquer um deles machuca e transforma homens em seres humanos capazes de complacência e devoção. Indivíduos que sofrem e que nos fazem sofrer com eles. Sofremos porque o autor nos fala, sem ponderação, que somos nascidos para morrer.
Como uma sentença, algo inevitável e irrefutável, essa afirmação se coloca como uma realidade que no nosso corre-corre nem lembramos; nos distraímos; nos iludimos com tantas outras cosias que esquecemos a finalidade pela qual nascemos. “Todos nascidos para morrer”. A declaração de Kerouac nos traz de volta à realidade e nos coloca em nosso devido lugar: bicho que nasce para morrer. Nada de sonhos, nem amores, planos ou desejos. Nada! Nascidos para morrer e só! O que cada um faz até que a morte chega depende em que esses indivíduos são viciados.
Há aqueles que são ávidos por carinho, companhia, atenção, outros em morfina e drogas que lhe fazem esquecer a dor. A dor de cada dia, que vai e volta e permanece. Dor que surge também por falta de coragem; que não é só física, mas latente e cruel. A dor da indecisão, do medo e da vergonha. Dores que nos transformam em pessoas tristes, tal como “Tristessa”, a protagonista do romance. Para aqueles que machucam a perna o recomendado é repouso, mas para aqueles que ferem a alma, muita morfina, por favor.

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3.26.2009

Doidas e Santas


O ser humano tem uma capacidade única de bipolarizar quaisquer que seja a situação em destaque. Existe o certo e o errado, o bom e o mau, o com vergonha e sem vergonha, a verdade e a mentira, o amor e o ódio. Temos uma dificuldade imensa em aceitar e reconhecer o meio termo. Ou é um ou outro. E, nossa, como isso é difícil!
Difícil, porque tem momentos que somos meio sem vergonhas, que não fazemos só o certo e nem por isso erramos, que não amamos, mas também não odiamos; tem momentos que sequer sabemos o que somos e ainda assim precisamos ter um posicionamento. Chega de sim ou não. Vamos, agora, apelar para o talvez!
Talvez você queira um jantar à luz de velas, mas depois vá amar uma noite pervertida; quem sabe não queira decidir, pelo menos por uma noite, onde será a esticadinha; talvez você seja uma doida varrida ou uma santa, talvez prefira bossa nova ao rock n’ roll, talvez, talvez, talvez....
Tantos talvez por puro cansaço ou porque, simplesmente, ninguém decide tudo sempre. Ninguém é sempre o mesmo. Todas as santas um dia ficam doidas (a parte, óbvio, a Nossa Senhora) e todas as doidas são um pouco santas (pelo menos na igreja). Essa talvez seja a variável mais inconstante tanto para eles, quanto para elas. Da doidice à santidade existe um longo caminho. É sobre essa distância que Martha Medeiros, mais uma vez brilhantemente, nos fala em “Doidas e Santas”. A coletânia de crônicas publicadas de 2005 a 2008 é de fazer rir, pensar, pensar e aff, ver que, realmente, muitas coisas passam pelo nosso dia-a-dia e nem percebemos.
“Não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa”, escandaliza a autora. ”Marmanjos” aborrecidos com a afirmação que revejam seus conceitos, mas é verdade. Santa só mesmo por cansaço ou naqueles dias que é melhor baixar a cabeça, calar e fazer de conta que tudo está nos conformes. De resto, somos todas extravagantes, insensatas, por vezes imprudente, entusiasmadas demais e, claro, apaixonadas ao extremo. Com nós (mulheres) tudo é exagero, é vital e imprescindível. Tudo! Por isso, Martha Medeiros não exagera em nada quando diz que “nascemos com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar o poder de sedução para encontrar ‘the big one’, aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Toda mulher é doida. Impossível não ser”. Você ainda tem dúvida? Acha mesmo que sua namorada não faz parte desse time de loucos? Esquece! Ela disfarça bem... No máximo, o que pode acontecer é que algumas guardaram “a loucura em uma gaveta e não lembram mais”. Daí, só começando tudo de novo e experimentando novas loucuras e doidices. Assim a vida vale a pena!


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O enterro do diabo


A maioria das casas que entramos tem o chamado “quartinho da bagunça”. Ali são depositados utensílios em desuso, caixas vazias e poeira, muita poeira. Olhando por essa ótica o quartinho parece, então, descartável se for feita uma bela faxina, certo? Impossível!
O “quartinho da bagunça” é tão importante quanto a própria cozinha. Além de caixas vazias, poeiras e objetos que não se usam mais, têm muita lembrança. Para os supersticiosos, então, melhor reservar um espaço um pouco maior para tanta coisa que precisa ser guardada.
Como em quase tudo nessa vida, isso não acontece com todas as pessoas. Uns simplesmente odeiam qualquer coisa com mais de um ano; outros não têm espaço, e há aqueles que escolhem um desses ambientes para alojar simplesmente segredos. Segredos que apenas duas ou três pessoas compactuam; desses que podem mudar o curso de uma vida e, se revelados, podem causar um estrago tal como um “aluvião alvoroçado e revolto”.
O segredo tem várias “faces”. Ele une pessoas (as que compactuam), pode separar outras (que fiquem de fora das revelações) e pode causar um imenso desconforto em “terceiros”.
Às vezes guardamos segredos de outros por décadas e nem nos atrevemos a tocar no assunto. Outras vezes não “aguentamos” e daí vira fofoca. No entanto, existem segredos mais graves. Aqueles que escondemos de nós mesmos; que fingimos não saber e que nos deixam perplexos quando revelado. E desses, minha gente, desses têm um monte.
Não são poucas as pessoas que fingem não saber determinado assunto para ficar “de boa”, relax, sem incômodo. Isso acontece na política, igreja, vida a dois, enfim, em, praticamente, todas as relações humanas. Afinal, nem tudo pode (deve) ser exposto de tal forma que não contenhamos segredo algum. Guardar segredo, além de ser uma maneira de preservação e cuidado, é uma forma de manter certas coisas que poderiam ser perdidas se informações fossem reveladas.
Toda essa história de quarto da bagunça, segredos e afins para falar de um enterro. Não um simples sepultamento, mas sim o “Enterro do Diabo”, um livro de Gabriel García Márquez. A história, narrada em Macondo (aquela mesma de “Cem Anos de Solidão”), retrata o momento em que o povoado parou para ver o cortejo passar. O dia era uma quarta-feira. Calor, poeira e vento. Por detrás da janela à cidade, devastada pela companhia bananeira, à revelia de rajadas de ventos, que ainda carregava as marcas da guerra. Dessas marcas ficaram as lembranças da noite em que todos precisavam da ajuda dele, o doutor, que se negou. A partir daí, mais segredos surgiram na antiga Macondo e então nada mais foi como antes.
Também no livro, segredos são inquietantes e provocadores. Levam à pensamentos escusos e interpessoais. Como diz o autor, “Enquanto alguma coisa remover-se sabe que o tempo passou. Antes não. Antes que alguma coisa se mova é o tempo eterno, o suor, a camisa, grudada na pele e o morto insubornável e gelado por detrás de sua língua mordida”. Sem movimento, não há vida, nem cor, nem sabor. Sem movimento, o ar fica sereno e o tempo de luto. O movimento é ação. O olhar. O beijo. A carícia. É a fala. O segredo e o calar, no momento certo. Isso é a vida. O resto é morte e sepulcro. Estáticos e sem bagunça. Nem no quarto nem na mente.


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3.18.2009

Diário de um louco


O hábito de escrever em diários é tão antigo quanto a própria história da escrita (ou, quase isso). Neles uns são mais detalhistas, outros mais enfadonhos. Não importa. O essencial é escrever. Nesse grupo de amantes, há também os fissurados por cartas. Muitas vezes, escrevem-nas e não entregam ao destinatário, mas continuam a produzi-las por puro prazer. Há ainda quem não entende “patavinas” o porquê desse gosto em juntas letras, formar palavras e produzir um sentido. No entanto, gostando ou não, todos, com raras exceções, já fizeram algo do tipo.
Os diários pertencem a algo mais particular do sujeito, que diz respeito ao relato de coisas feitas, pensadas e imaginadas. Também ali são relatados pensamentos censurados e tímidos, que cabem apenas a quem escreveu. Talvez por isso, quando uma pessoa lê o diário de outra, a possibilidade de compreender o que está proposto se dá na mesma proporção que a de não entender nada e fazer até mesmo um julgamento errôneo.
Apresentada essa forma de comunicação milenar, falamos agora de literatura e demência. Imaginem esses elementos aliados em um mesmo diário, na mesma obra, mesma história, na mesma pessoa e você terá “Diário de um louco”, de Gogol.
A dobradinha de resenhas do mesmo autor se deu pela curiosidade e incerteza sobre o que é lúcido ou não nesse mundo de loucos. Ao iniciar a leitura, sinto uma incerteza de que aquilo faz parte de um registro insano ou se é apenas um diário. As falas e narrativas não parecem ser distintas ou estremadas daquilo que cotidianamente vemos. São expressões e confissões de uma pessoa qualquer com seus sonhos, desejos, ambições e, não podia ser diferente, ilusões.
Ao passo que conhecemos o protagonista da história, temos contato com a realidade e o pensamento de uma pessoa como nós: que não entende certas hierarquias e maneiras diplomáticas de se chegar aonde quer, mas que simplesmente “quer”. No entanto, “ele” desperta esse querer de forma imaginativa e as traz para a realidade. Fazendo isso, assusta; se apodera de personalidades que não lhe dizem respeito; trava duelos com aqueles que não acreditam na sensatez de sua insanidade e vive. Tal como nós: vive num mundo de ilusões, onde fingimos sermos pessoas que sequer conhecemos, desejamos aquilo que não temos, fazemos de conta que os outros, esses sim, são loucos, mas não nós. Pensando bem, talvez não sejam tantas as diferenças entre nós e pessoas como ele. Pelo menos não em diários!
Fica o convite para aqueles que quiserem mais que apenas viver e desejarem ver escancarada a vida de um louco. Certamente uma insanidade diferente da nossa, diferente da nossa rotina. Nós, os lúcidos, que pouco sabemos de insanidade e extravagâncias teremos, possivelmente, que fazer um exercício para entender esse relato demente e fugaz. Mas, como disse o autor: “chega. Basta. Eu me calo!”.

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O nariz


Uns tem alergia à poeira, outros à primavera e há ainda quem tenha sinusite. A todos esses o maior alvo é o nariz. Aqueles dois pontinhos nos desenhos de criança, passam então de passivos a ativos e nos fazem querer, em determinados momentos, arrancá-los. Há ainda os momentos em que parecem servir apenas para alojar uma espinha, cravos ou segurar óculos.
Por isso mesmo, certamente muitos de vocês já devem ter pensado em como seríamos se, simplesmente, não tivéssemos nada “entre as bochechas”; se no lugar do nariz tivesse somente uma lisa pele, sem buraquinhos, nem alojamento de cravos melindrosos. Provavelmente não seja tão fácil quanto parece. Afinal, pensar assim, seria imaginar outro aspecto da natureza humana, outra constituição física e, até mesmo, outro aparelho respiratório, já que este inicia nas fossas nasais.
Deixemos essa parte mais técnica de lado e nos concentremos nas que causam (de imediato) maior impacto: o aspecto físico. Todos ou pelo menos a maioria hão de concordar que, por hábito, o nariz constitui parte importante na beleza de cada ser humano. Uns são mais largos, outros finos, achatados ou volumosos, mas cada um possui a sua particularidade que faz de um indivíduo diferente de outro (claro, aliado a outras características também).
Tendo isso em mente, imaginemos, então, um cidadão que certo dia acorda sem o nariz. Imaginemos, para maior divagação, uma figura púbica “na pele” desse cidadão (ou imagine a você mesmo nessa situação). Essa pessoa, então, acorda, lava o rosto e lembra que no dia anterior havia lhe saído uma espinha terrível bem na ponta do nariz. Vai em direção ao espelho para aniquilá-la e, de repente, nada há: nem espinha, nem nariz.
Lógico que num primeiro momento você imaginaria que tudo isso faz parte de um terrível pesadelo, desses que é preciso um beliscão no próprio corpo para ver se é verdade mesmo. Mais absurdo ainda é quando percebe ser verdade sim! O seu nariz, que em nada tinha de especial, sumiu. Nem marcas e nem sinal. Você respira naturalmente, mas eles, os buraquinhos, a espinha que havia se alojado, nada, nem as sardas estão ali. No lugar, uma pele lisa.
Naturalmente, você, ou quem quer que seja que estivesse nesse lugar, ficaria apavorado e totalmente desconfiado em saber quem seria capaz de roubar-lhe objeto de tamanha importância. Afinal, que outra explicação teria um sumiço desses que não um furto.
Tudo isso pode parecer meio ilógico e sem nexo. E, para surpresa de muitos, também assim sugere o autor do livro que orientou esse texto. De acordo com Gogol, autor de “O Nariz”, publicado no ano de 1836, que narra o desaparecimento de um nariz, a obra não passa de uma farsa absurda e inquietante, com uma junção de incoerências. Afinal, aonde já se viu uma pessoa perder o seu nariz! No entanto, lembra Gogol, “o que e onde não existem incoerências”, a vida não é estática, muito menos previsível. Talvez por isso, o autor também sugira que aventuras como esta, mesmo raras, acontecem. Ou seja, é possível imaginar que possa existir a possibilidade de perdermos mais do que apenas o nariz. Perdemos muito mais que isso, a todos os dias e, às vezes, nem percebemos.

Boa Leitura!