5.12.2009

Relato de um náufrago


Todos os dias quando ligamos a TV, percebemos o surgimento de um novo tipo de herói. Esses, já não são mais como aqueles da infância, de espadas e super poderes. Hoje, nem eles, nem os bandidos são facilmente identificados. Pudera, com tamanha corrupção e falta de bom senso em diferentes setores da sociedade, perceber boas ou más intenções fica meio difuso nesse emaranhado de acontecimentos. No entanto, ainda perseverantes, buscamos alguma figura que nos pareça com os antigos heróis. Alguns deles surgem no esporte e nos salvam da realidade apática, nos levando ao delírio na torcida, aplaudindo, clamando por mais um gol, mais um ponto; heróis também surgem na música, mas esses, ultimamente, tem tido vida curta; também existem os dos filmes hollywoodianos, com grandes máquinas a seu favor e uma bela mocinha como vítima; e, não podíamos esquecer, aqueles de verdade; que surgem de histórias que, nem em filmes, poderíamos acreditar que fossem capaz de existir.
Exemplos desse último caso acontecem muito fortemente em países onde a desigualdade de renda ainda prevalece, em que histórias de vida surgem todos os dias, com novas surpresas e revelações. Para vê-las basta prestar um pouquinho mais de atenção nas conversas paralelas do ônibus; no olhar e sentimento explícito em cada rosto que encontramos pelas ruas. São histórias de pessoas que fazem verdadeiros milagres para sobreviver; que lutam incansavelmente pela garantia de seus direitos, de sua dignidade e, quem sabe, bem lá no fundo, um pouquinho de felicidade também. Histórias, geralmente, esquecidas e que vem à tona por alguma razão em específico, mas que posteriormente voltará ao esquecimento.
Esses super heróis não imaginam que um dia possam ser reverenciados como tal, tampouco pensaram na fama, status e as possibilidades que disso surgiriam. Heróis do cotidiano ou heróis como Luís Alexandre Velasco, o sobrevivente de um naufrágio ocorrido na Colômbia, em 28 de fevereiro de 1955. “Não fiz nenhum esforço para ser herói. Tudo o que fiz foi para me salvar”, relata Luís Alexandre para o jornalista e escritor Gabriel García Márquez.
Velasco sobreviveu ao naufrágio do destróier Caldas, da Marinha de Guerra Colombiana. A história é real e foi divulgada por inúmeros veículos de comunicação de diferentes cidades. O livro, organizado por Márquez, é a junção de todos os textos publicado no jornal El Espectador, de Bogotá.
O navio viajava de Móbile, Estados Unidos, para o porto de Cartagena, ao qual chegou duas horas depois da tragédia. Dos oito membros da tripulação que caíram no mar, apenas um sobreviveu e pode contar toda a sua saga de sobrevivência dos 10 dias em que passou à deriva em uma balsa, cercado apenas por água e sol. A tragédia teria acontecido por uma tormenta no Mar do Caribe, muito embora, após os relatos de Luís Alexandre, todos ficassem sabendo que nunca houve tormenta. E, como tem coisas que melhor mesmo é que fiquem em segredo, a revelação custou, entre outras coisas, o fechamento do jornal, o abandono de Velasco da Marinha e o esfacelamento da recente fama do novo herói colombiano.
“Em todos os momentos, tratei de me defender. Encontrei sempre um meio de sobreviver, um ponto de apoio, por insignificante que fosse, para continuar esperando”, lembra o náufrago nos fazendo perceber que talvez tenhamos mais coisas em comum com esse novo herói que apenas a condição em que se encontra. Talvez devêssemos perceber qual o ponto de apoio em qual nos agarramos e sobrevivemos; perceber se esse ponto vale mesmo a pena ou se o melhor é se deixar levar, sem esforço algum, na espera que alguém nos encontre. Velasco, por várias vezes, pensou em agir dessa maneira e por mais que afirme apenas ter esperado, ele lutou por aquilo que nem sabia se era alucinação ou verdade, por aquilo que ele nem tinha certeza se iria encontrar. Talvez, por isso mesmo tenha sido aclamado como herói.


Boa Leitura!

5.05.2009

Me alugo para sonhar

Desde pequenos somos orientados que no futuro deveremos escolher por determinada profissão e, de preferência, nos dedicar a ela com fervor e vontade. Alguns acertam, outros mudam, escolhem de novo, outros não têm possibilidades de escolher e, felizes mesmo, são em trabalhar no que der. Enfim, cada um com sua história e suas escolhas/obrigações traçam um caminho. Nessa trajetória conhecemos pessoas parecidas, outras que jamais imaginávamos existir e aqueles que tanto fez, como tanto faz.
É nesse encontro com diferentes pessoas que descobrimos a diferença e, principalmente, o que significa a “identidade” de um ser humano. Cada um, ao seu jeito faz coisas diferentes e nos surpreendem por isso. Às vezes, uma grande amizade pode surgir num esbarrão na rodoviária, no mercado ou na fila de um banco. O certo é que para nos “tornarmos amigos” precisamos sentir com a outra pessoa o mínimo de afinidade e simetria de pensamentos. Claro, não esqueçamos aqui aquelas amizades que surgem mais pela estranheza do que por “complacência”.
Mas, voltando a falar sobre profissões, nelas estão grandes pontos de ligação entre pessoas diferentes. Às vezes o encanto com o trabalho de outra nos transforma em admiradores e depois em grandes amigos. Já conheceste, por exemplo, alguém que sonhasse? Não por hobby ou esporadicamente, mas que tenha como ofício o ato de sonhar? Não?! Então, procure por Frau Frida. O trabalho dela é sonhar. Assim ela ganha a vida. Desde pequena sonhava e, melhor que isso, interpretava os sonhos. Dessa maneira, fazia o que sabia de melhor: sonhar. Para encontrar Frau Frida procure o conto “Me alugue para sonhar”, de Gabriel Garcia Márquez, publicado em “Doze contos peregrinos”.
“Eu me alugo para sonhar”, era o que dizia Frida a qualquer um que a questionasse sobre seus afazeres. Com tantas maneiras de prostituição que as pessoas tem se entregado à ganância em suas profissões, se alugar para sonhar, com certeza, é algo encantador, para não dizer mágico. Sonhar e entender o que se sonha. Ter a capacidade de sonhar em dias tão impuros, com ar pesado, cheiro de podridão vinda de todos os lados, é mágico sim! Talvez mais pessoas devessem se alugar assim, sem perder a dignidade, nem o bom senso e, muito menos, a sensibilidade. Precisamos de mais pessoas como Frau Frida. Precisamos de pessoas assim na gerência de empresas, no poder do Estado e em nossas casas.

Boa Leitura!