Antes de qualquer palavra é preciso que eu peça desculpas, pois de maneira alguma conseguirei, nesta coluna, dar conta do papel a que me propus já faz algum tempo: resenhar sobre um livro. Impossível porque escolho, de maneira egoísta, uma obra da qual retiro imensa satisfação e que trata de um dos melhores autores de todos os tempos.
A biografia de José Saramago, escrita por João Marques Lopes, me chamou a atenção, em primeiro, pela capa. Nela, um homem velho segura seus óculos e escora, pensativo, o queixo em uma das mãos. Um homem que nasceu numa época de guerra, miséria e analfabetismo. O homem da capa carrega um olhar triste e, talvez, cansado. Um olhar de Saramago.
Criador de um estilo único de linguagem (o saramaguiano), autor de livros célebres, prêmio Nobel em 1998, comunista e inconformado desde sempre, José Saramago desafiou seu destino e, como diz o dito popular, “mostrou a que veio”. E como mostrou.
Sua primeira obra, de 1947, chama-se Terra do pecado e rendeu pouquíssimas edições. Depois dela vieram Poemas possíveis, A bagagem do viajante, O ano de 1993, Levantado do chão (obra que marca o início do estilo saramaguiano de contar história – com parágrafos longuíssimos, pontuação escassa, detalhismo e criatividade em abundância), Que farei com este livro?, Viagem a Portugal, Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis (o “Pessoa” que Saramago demorou a descobrir), A jangada de pedra (que surgiu após uma conversa despropositada com a jornalista brasileira Cremilda Medina), A segunda vida de Francisco de Assis (sobre o seu irmão que morreu aos dois anos de idade com broncopneumonia), História do Cerco de Lisboa, O evangelho segundo Jesus Cristo (polêmica obra que fez o governo português e igreja católica refutarem a posição do autor. Após este período Saramago se “auto exila” na ilha de Lanzarote), Ensaio sobre a cegueira (livro que o próprio autor pensou não ser capaz de sobreviver), Todos os nomes, A caverna, O homem duplicado, Ensaio sobre a lucidez, As intermitências da morte, A viagem do elefante, Caim (último romance do autor), Cadernos de Lanzarote (com cinco publicações), O Caderno (publicação dos textos disponíveis no blog do autor), para citar apenas alguns. A lista de livros só não é maior que o legado por ele deixado.
Por fim (e eu havia avisado que seria pouco o espaço), um dos maiores autores de todos os tempos, é oriundo de uma família analfabeta, em que o único curso que fez foi o de cerrilheiro mecânico e que nem Saramago deveria se chamar. O erro, do funcionário que o registrara, foi um dos tantos que o autor aprendeu a enfrentar. Assim como aprendeu sobre a desigualdade social, o preconceito, a violência e a pobreza. Assim como aprendeu sobre os cegos que mesmo vendo, não veem. Destes, Saramago já nos avisou, da maneira mais original possível. De uma forma que só um grande homem, mesmo com olhar pensativo e cansado, consegue.
Boa leitura e até a próxima semana!
Um comentário:
Dna. Cremilda Medina é nascida em Portugal.
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