9.30.2008

Ensaio sobre a cegueira



Diariamente abrimos os olhos e vemos. Vemos ao nosso lado o filho que desfruta o sono profundo, o namorado a acordar, o relógio a apontar as horas, vemos o dia claro, escuro, chuvoso, quente, frio. Vemos a janela bater, as folhas caírem... O que tem de mais nisso? Aparentemente nada, afinal, todos, sem distinção de raça, credo ou gênero podem aproveitar este gozo da vida (a parte aqueles que por algum motivo perderam a visão). Por ser tão naturalmente praticado que o “poder” da visão nem sempre é tido como algo realmente glorioso. E, assim, vamos usufruindo desse bem.
Somos dependentes da visão para o desempenho de simples tarefas, como a leitura de um livro, por exemplo, virando página por página, atentos a informação de cada linha. Mas, e se de repente fossemos acometidos por uma cegueira repentina?! Tudo bem, sei que a probabilidade de isso acontecer é, praticamente, nula. Mas pense! Se, de repente, está você a ler um livro (como o fiz recentemente) e, sem mais nem menos, surgisse uma “treva branca” em sua frente. Ou tomando banho, levantando-se da cama para arrumar o café, na rodoviária a espera de um amigo, ou no carro, em frente ao semáforo que até o momento estava vermelho impedindo a tua passagem e que você, pacientemente e rotineiramente, espera passar à luz verde. Se nesse momento tudo sumisse dos teus olhos e visses apenas uma luz branca. O que faria? É este o afrontamento que nos coloca o brilhante escritor português José Saramago, em Ensaio sobre a Cegueira. De repente, na cidade inventada por Saramago ninguém mais vê. Tudo começa aos poucos, um ou outro caso isolado de cegueira. O desespero no início aflige apenas os “amaldiçoados” que perderam a visão e logo se espalha a praticamente todos os outros moradores da cidade. Cegas, essas pessoas precisam redescobrir o mundo. Mais do que isso precisam se reconhecer sem a imagem refletida no espelho. Confesso, e muitos leitores hão de concordar, que a angústia surge como algo natural em meio às páginas. Como se fosse nós mesmos, tentamos tatear, sentir, ouvir e perceber as coisas que à visão já não cabe. Angustiamo-nos porque pensamos que poderia ser conosco. Poderíamos nós estar ali, sem ver, num mundo novo e incerto. Embora o auto alerte que “só num mundo de cegos as coisas são como são”, temos medo. Medo do que está a nossa frente que não conseguimos ver. Em entrevista a algum jornalista o autor diz: “Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida”. Se a intenção era nos fazer sofrer, mais uma vez o conseguiu o autor. Mas não sofremos apenas pela possibilidade de, talvez, sermos nós os próximos a cegar. Sofremos pela maneira grosseira que levamos a vida e, principalmente, pela semelhança que temos com eles, os bichos. Bichos que matam para comer. Seres capazes de tudo pela sobrevivência. É esse homem sujo e nojento que conhecemos. Mas, além disso, o autor fala que “cegueira também é viver em um mundo que tenha acabado a esperança”. E afinal, se somos todos cegos, qual foi a última coisa que vimos? Qual foi a última rua pela qual passamos? O que guardaremos para sempre na memória? Ou será que somos nós também cegos que mesmo vendo, não vemos?

 
Boa Leitura!

9.25.2008

Lembrança de velhos


Que o tempo passa muito rápido, não há dúvida, acho até que estou me tornando uma chata no assunto, tamanha a inquietação em “não ter tempo pra nada”. Passamos dias e até meses sem perceber a nova ruga adquirida no rosto, o convencionismo de que “sempre foi assim” e então é melhor não arriscar, a apatia diante de alguns assuntos... Enfim, levamos um susto ao olhar para o calendário e perceber que, por falta de tempo, nem a paginazinhas foram viradas. Nesse momento temos, então, a nítida noção de quantos dias passaram e quantos ainda faltam até o “ano novo”. Um pouco de susto, um pouco de medo são naturais neste instante, mas continuamos.
Por falar em tempo, que idade você tem? 14, 19, 21, 28, 33? Nenhuma das datas apresentadas? É, não ando muito bem no “chute”. Mas, te pergunto a idade para questionar qual a imagem que você tem de “velhos”? Cabelos brancos, memória fraca, sabedoria, bons conselhos, pensamentos antiquados? Como você percebe pessoas velhas? Provavelmente tenha uma distinção de alguém com 25 anos, por exemplo. Mas o que é?!!
A palavra velho simboliza, dentre tantas outras coisas, uma pessoa que viveu muito e que tem história para contar (seja ela atrativa, ou não). Estas histórias são narradas ao redor do fogão à lenha, em uma noite que a TV, o rádio e o computador são esquecidos, ou em um dia com a família reunida. Mas, histórias assim também podem ser contadas em livros. Tudo bem, não terá o mesmo calor que emana do fogo, mas a intensidade com que é narrada se assemelha, e muito, às histórias da “vovó”. Um exemplo: “Lembranças de Velhos”, de José Luiz Zambiasi. A obra traz cinco histórias distintas de imigrantes descendentes de italianos, oriundos do Rio Grande do Sul, com destino ao Oeste Catarinense com intuito único de construírem as suas trajetórias de vida.
O livro apresenta de maneira simples um pouco da história de luta, coragem e força desta gente e se diferencia de tantos outros que tratam do período colonizatório da região através dos depoimentos destes “velhos”. Com eles a história ganha vida, cor, forma e deixa de ser apenas um período no passado. Com os depoimentos, o autor os deixa ativo nos relatos e nos faz pensar na memória que temos e nas histórias que um dia vamos contar. Se é que temos alguma, afinal o tempo passou tão rápido que, por vezes, fazemos apenas aquilo que somos “obrigados”, sem tempo pra historinhas. Talvez, foi pensando nisso, e chutando melhor do que eu, que o autor coloca que nos situamos, cotidianamente, entre o ato de lembrar e o ato de esquecer. Entre versões oficiais de nossa vida e o nosso desejo de como ela deveria ser. Entre o que fizemos, o que pretendíamos ter feito e o que continuamos a fazer. É entre tudo isso que está a nossa vida, marcada por situações bizarras, cômicas, trágicas e normais, que podem até (imaginem só!) virar uma história no futuro.

Boa leitura!

9.17.2008

Crônica de uma morte anunciada




O ser humano é por si só insatisfeito. Busca sempre mais, e de variadas maneiras. Nunca nos contentamos com o almoço do dia, o elogio do chefe (ou do namorado). Como diz a música: queremos sempre mais. Esta busca insaciável também nos torna inconstantes. Nunca somos os mesmos, porque nossos objetivos também não são. Claro, não falo aí das posturas adotadas como empregado, “patrão”, líder, mas sim de nossa inconstância psíquica e emocional. Desenvolvemos nossas atividades rotineiras tal como devem ser feitas. À noite paramos para pensar e nos vem a sensação que nada foi feito. Por quê? Arrisco uma resposta: porque, na maioria das vezes, não fazemos aquilo que gostaríamos de fazer. Fazemos o que DEVE ser feito. E, como os dias passam depressa, em alguns momentos somos até incapazes de perceber isso. Deixamos então, ao inconsciente que “cuide” do nosso desejo recalcado e continuamos.
A falta de tempo é, além de uma boa desculpa quando não se quer visitar a sogra, um prejuízo à criatividade e à emoção humana. Olhamos nossa lista de coisas a fazer e comparamos com o tempo: deixamos de lado o livro e o CD, também a viagem e a visita ao velho amigo (mesmo porque o dinheiro está curto). Fazemos o que é realmente necessário. Mas e se, de repente, você soubesse que morreria amanhã? O que você faria nas próximas 24 horas?
Como exercício, tentei pensar em algumas coisas. Se não for parecer petulância, sugiro o mesmo a quem lê esta resenha. Então, em meio aos meus devaneios “decidi” que se morresse amanhã acordaria mais cedo, veria o nascer do sol, encontraria pessoas distantes, falaria o que está engasgado na garganta, faria coisas que nem sequer posso imaginar, enfim, faria tudo o que fosse possível para não partir desta para uma melhor sem ter aproveitado um pouquinho. O sentimento é de desnorteio. São tantas coisas que não consigo citar mais que estas. Talvez, os leitores tenham encontrados muitas outras “atividades” para este dia fúnebre e definitivo. E, somente talvez, isso seja uma prova de quão somos mesquinhos com nossas vidas. Porque pensar em “coisas assim” somente próximo ao fim? Ok. A resposta já surgiu: precisamos trabalhar, cumprir funções e obrigações, em suma, devemos dançar conforme a música. E, pensando assim, até que seria bom se tivéssemos alguém que nos falasse desse dia. Alguém que nos dissesse: “aproveita que amanhã não tem mais”, talvez assim, a nossa listinha de “afazeres” diminuiria. Mas, talvez tenhamos o mesmo azar que Santiago Nasar e percebamos a morte perto demais para que seja possível fazer algo de diferente. Quem é Santiago Nasar? Ele é aquele que todos sabiam que iria morrer, mas que não tiveram coragem de avisar. Ele é o personagem criado por Gabriel García Márquez em “Crônica de uma morte anunciada” para nos chamar a atenção de que nem sempre somos informados de coisas assim, relevantes. A morte dele foi anunciada para quem quisesse saber. Apenas ele não soube o fim que teria. Gabriel García Márquez nos avisou, e agora?


Boa Leitura!

Retratos de exclusão


Nada como ter liberdade. Poder decidir o que quer e o que não quer. Sentir o gostinho de decisão nas pequenas coisas, realmente, é extasiante. Este “poder” de decidir nos torna mais astutas e influentes, mesmo que a resolução a ser tomada diga respeito apenas a nós mesmos.
Ok! Até aí o relato (desabafo?) não trouxe novidade alguma a estas poucas linhas. Por quê? Porque tudo vai muito bem até o momento em que passamos a decidir pelo outro. Tanto faz se na vida a dois, três, quatro, ou o escritório inteiro. Decidir por outra pessoa é tornar obsoleto o sentimento de “liberdade” acima mencionado. É anular vozes que surgem ao nosso redor. Poderia até dizer que é “etnocentrismo puro”, se é que a expressão existe.
Isso, sem falar no julgamento. Ahh, como somos severos, por vezes até carrascos conosco, com amigos, irmão, pai, mãe, etc.. Somos peritos em julgar, dar sentenças e prever punições. Punições estas que, é claro, indicamos conforme a “atrocidade” que nós (puros e sábios) julgarmos incoerentes. E, em alguns momentos, quando percebemos fomos longe demais. A tendência é que estes julgamentos piorem quando tratamos de algo desconhecido, ou algo que tenha um forte grau de preconceito. Exemplo? HIV/Aids.
A doença existe há três décadas. No início, era conhecida como “peste gay”, por ter sido detectada em homossexuais americanos, sendo a ser considerada uma punição por tal prática (eis o JULGAMENTO). Na década de 90, a doença esteve associada à promiscuidade ou ao convívio de situações de risco, como o uso de drogas injetáveis e o compartilhamento de seringas.
Cansado de ouvir falar em HIV/Aids? Então, preste atenção nos dados abaixo e pense, realmente, se este é um “problema” penas de quem tem o vírus.
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 40 milhões de pessoas possuem a enfermidade, das quais 20 milhões já morreram. A cada segundo acontecem 14 novas infecções. As mulheres representam 43% do universo de adultos. Desde o início da epidemia, mais de quatro milhões de crianças com menos de 15 anos já adquiriram o vírus em todo o mundo. Acrescentamos a esta lista, os familiares e a rede de convívio de pessoas com a doença, que de alguma forma sofrem com os seus reflexos.
Como pôde ser observado, são muitas as pessoas envolvidas pelo vírus. E, foi para da um “chacoalhão” no preconceito relegado a estas pessoas que, em 2004, Silvia Regina Mendes lançou “Retratos de Exclusão”. Trabalho que faz uma síntese da história da doença, da criação do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids de Chapecó, Gapa, em 1985, e, mais ainda, sobre a discriminação aos portadores da doença. Para isso, Silvia usou de depoimentos de pessoas que convivem com o vírus, familiares e voluntários. Se a intenção era chocar e emocionar. Funcionou.
Talvez, lendo o livro possamos ter uma vaga idéia do que um pré-julgamento pode causar na vida de uma pessoa. Aqui foi citado o caso de HIV/Aids, mas quantos outros julgamentos terão de ser feitos até que respeitemos a diferença, escolhas, modos e vida enfim, até que respeitemos a vida dos outros?

“É muito fácil falar de preconceito, mas muito difícil ser vítima dele. Para saber o que se passa, é preciso ser um paciente e carregar no sangue o estigma de uma doença, cuja única certeza é ter que conviver com ela até a morte”, Silvia Regina Mendes.

 
Boa Leitura!

9.11.2008

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"Me busco em músicas que dão ritmo ao que sinto de forma silenciosa, e me busco em trechos de livros que revelam idéias que mantenho ainda embaralhadas... Então, escrevo e me busco em frases feitas e frases inventadas, colocando uma palavra atrás da outra na tentativa de construir uma lógica, um atalho, uma emoção que eu consiga sustentar e repartir. Depois que fecho o computador me busco no sono, nos sonhos, no inconsciente, no meu lado noturno, sombrio e, por vezes, perco a coragem e tudo me amedronta, a começar pelo fato de que o dia terminou e a busca não se encerrou, nem irá, porque esse tipo de busca não se encerra", Martha Medeiros.

9.04.2008

O livro dos sustos



Falamos sobre a correria diária, os trilhões de coisas que temos para fazer, as promessas que insistimos em mencionar tentando administrar o tempo (algo como: ler o livro comprado há dois meses, enviar aquele email ou fazer uma ligação a um amigo de longa data, enfim, promessas não nos faltam), mas pouco falamos sobre nossos medos. Talvez, por medo de que eles se tornem mais poderosos, ou, talvez, porque nem para isso mais tenhamos tempo. Talvez...
Pensar nos medos apenas quando os sentimos. E por falar em o sentir, abro a porta do banheiro e lá está ela: poderosa, astuta, pronta para a guerra. Quem? A dona barata. Ah, quantos tipos diferentes de pavores me causa aquela coisa que ora voa, ora é rápida, ora anda em círculos (ou em qualquer direção). Ela que é ágil o suficiente para fugir sem que eu me de conta para que lado ela foi, o que, na verdade, não muda muito, já que após este encontro, encosto a porta do banheiro e evito o máximo possível precisar daquele cômodo da casa.
Mas, o que tem a ver a barata inoportuna da minha casa com o medo que propus nas primeiras linhas? Num primeiro olhar, apenas o objeto que nos leva a este sentimento. No entanto, se nos deixarmos levar por 05 minutos de flerte percebemos que surgem mais alguns elementos, como por exemplo, o fato de deixarmos de fazer alguma coisa por medo de que não dê certo, de não agradar as pessoas ao nosso redor, medo da frustração, medo de não conseguir fazer, aprender, ou ensinar. Medo de magoar, temos medo até de ser feliz (se para isso for preciso ousar muito além do que costumamos fazer, então, nem se fala). Isso tudo sem falar nos medos da nossa infância: bicho papão, o monstro embaixo da cama (ou dentro do armário), alienígenas, vampiros, múmias, barulho da máquina do dentista, cães brabos, e uma série de outros temores que são brilhantemente descritos na obra infantil de Rosana Rios, “O livro dos sustos”. Foi ao ler sobre estes medos que lembrei de tantos outros. Medos de gente grande? Não sei. Sei apenas que hoje eu ri lendo o livro e pensando em como temia por tudo aquilo. Isso me faz pensar se daqui a algum tempo também darei boas risadas dos meus medos atuais. O que, de certa forma, preocupa, porque me faz pensar que o medo sempre existirá. E isso não me agrada. Mas, talvez, como proponha a autora ao falar de “medos infantis”, devamos enfrentar estes medos para aniquilá-los. Para isso, uma boa dose de coragem e talvez um pouco de audácia ajudem. Afinal, se conseguíamos quando criança, porque não pegar o inseticida e sair às catas da senhora barata. Talvez funcione!

Boa Leitura!