2.12.2009

O leão, a feiticeira e o guarda-roupa

Há algum tempo não lia um livro em que no início tinha a frase: “era uma vez”. Sinceramente, fazia um bom tempo que não lia algo tão fantasioso e sabe de uma coisa, foi bom! Às vezes precisamos sair da real, acreditar em mundos escondidos e secretos. Isso nos ajuda a levantar a cabeça e começar tudo de novo. Não que os dias estejam tão terríveis assim. Não, não é isso. O fato é que em alguns momentos nos sufocamos tanto na realidade, nos esquecemos tanto da capacidade de sonhar que é preciso “fugir”. É preciso, pelo menos, tentar. Não é necessário ser um conto de fadas, com príncipe encantado, loiro e esbelto. Pode ser um mundo gelado, com anões, castores e faunos.
Àqueles que quiserem se arriscar nessa busca, a dica é “O leão, a feiticeira e o guarda-roupa”, de Clive S. Lewis. Realmente, nada parecido com histórias da Bela Adormecida ou Chapeuzinho Vermelho. Curioso? Então, abra a porta do guarda-roupa e sinta o ar frio que vem de dentro. Ainda não? Entre nele, não tenha medo. Sentiu? Agora abra os olhos e veja a floresta, árvores de tipos incontáveis, pássaros e animais. Tudo demasiadamente diferente do que você costuma ver e sentir.
Tudo isso foi descoberto por Pedro, Suzana, Edmundo e Lúcia, os quatro irmãos da história em questão. Eles fugiram das bombas da Segunda Guerra Mundial. Fugiram delas sem saber ao certo o porquê elas caíam e, de repente, encontraram um guarda-roupa mágico. Quando eles ali entraram, pensei: e nós, onde devemos nos esconder? Se nos escondermos, alguém sentirá falta ou também aqui o tempo demorará a passar como na história do livro? O que encontraremos do outro lado? O que estamos dispostos a encontrar, afinal?
Certamente, a resposta não surge de imediato. É preciso despertar a imaginação e isso demanda tempo e coragem. Embora, sejamos extremamentes curiosos e imaginativos, a força do hábito nos leva à terrível mania de coordenar até mesmo os pensamentos que poderiam nos libertar. Mas, voltando ao guarda-roupa e às naftalinas, o mais difícil quando pensamos em fugir é saber do que fugimos. Do que temos medo? Eles corriam da guerra, e nós?
Olho para o meu roupeiro e penso se ali seria capaz de ver tudo o que eles viram... Penso se ainda sou capaz de imaginar. Será?
Lembro, então, que o pior dos medos é aquele que sentimos em relação ao futuro. Do futuro que não sabemos nem se vamos viver, pois as perspectivas para a continuação da vida na Terra não são nada esperançosas e não falamos aqui apenas das questões ambientais. Falamos da escassez da “humanidade”, do “ser humano” em tudo o que a palavra possa significar. Desses que sentem, choram e lutam não apenas por si mesmo, mas que veem a vida como o conjunto que é. As disputas (econômicas e de ego) nos levam a um colapso generalizado. Um grande e poderoso estado caótico tende a figurar e, então, o que faremos? Não sei a resposta (e tenho medo dela também), mas a porta do guarda-roupa deixei aberta.


Boa Leitura!

2.04.2009

A metamorfose

Diariamente, acordamos e buscamos desenvolver nossas atividades da melhor maneira possível. Para a maioria, esse dia inicia com o badalar do despertador. Aquele barulho inócuo, ora distante ora próximo o suficiente para desejarmos quebrá-lo em cinco pedacinhos. Com esse barulho intermitente despertamos ao dia que há de se seguir. Isso é rotina, como todo o resto que fazemos. No entanto, se de repente algo lhe fizesse ver o mundo de uma maneira diferente? Se, de repente, você simplesmente não conseguisse ficar de pé e dar um passo após o outro? Se as pessoas não o vissem com os mesmos olhos? Se todos te achassem estranho e nojento? E se você, simplesmente, não conseguisse imaginar o porquê? Arg! Muita coisa para uma manhã só!
É assim “A metamorfose”, de Franz Kafka: muita coisa em um livro só! Para aqueles que duvidam, convido a ler o romance mais estudado, comentado e mais aplaudido dos últimos tempos. Não é drama não, gente! A quem nunca ouviu falar desse romance, preste atenção na maneira como o autor dá início à história: “certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Ficou com vontade de ler mais? É exatamente isso que pensam todos os leitores da obra que, a partir daí, só o larguem quando chegarem ao final.
“Ao despertar de sonhos intranquilos”, narra Kafka... Quem de nós não temos sonhos intranquilos... que não despertamos durante a noite, atordoados, muitas vezes sem saber sequer o porque?! “Metamorfoseado num inseto monstruoso”... só mesmo um grande artista mesmo para imaginar e criar tal situação.
Tentar apontar um dos caminhos que podem ser seguidos ao “interpretar” o texto de Kafka é perigoso e simplista demais. Quando um texto não é “mastigado”, tal como esse, cada um compreende o que lê de uma maneira bem particular, segundo seus próprios anseios e convicções.
Kafka construiu o texto em 20 dias, no entanto, nós precisamos de muito mais para tentar imaginar tudo o que a obra compreende. Por exemplo, ao afirmar que o caixeiro-viajante torna-se um “inseto monstruoso”, muitos o irão transformar no seu inseto mais temido. Ou seja, conforme seus medos e aflições veremos Gregor, ora como besouro, ora como uma imensa barata. Ao passo que ele assume as características de um bicho assim (terrível aos olhos de quem lê), a ele designamos tudo o que destinaríamos a esse bicho, talvez com um pouco mais de compaixão. Mas, não com menor nojo, medo e repugnância. Outros compreendem que, talvez, o autor tenha expresso apenas uma imaginação fértil ao seu personagem principal, muito embora, por vários momentos tenha ficado claro que outros o viam da maneira “grotesca” que estava. Nesse caso, Gregor ainda seria o mesmo, continuaria com braços, mãos e pernas, mas se imaginaria transformado num inseto monstruoso para que assim não pudesse continuar sua rotina de maneira mesquinha, sem decidir o que fazer. Sem, ao menos, poder planejar o que falar. Levando em consideração esse pensamento, ao passo que não possui braços, símbolo do trabalho, ele fica impossibilitado de cumprir com suas obrigações e, a partir daí, tudo se prossegue: a falta de compreensão da família, até então sustentada por ele, a falta de atenção a ele como membro do grupo e, principalmente, o sentimento de que ele não passa de um ser que levava comida e respondia pelos seus deveres de rapaz honesto.
Todos esses pensamentos e compreensões surgem porque nos fazemos e imaginamos muito distintos dos “outros”. O ser humano assume, diariamente, um papel “superior” frente outros animais. No entanto, quando o autor nos faz imaginar que também poderíamos sofrer um processo semelhante ao de Gregor Samsa, experimentamos de um sentimento totalmente novo e incerto. Sentimos nojo e ao mesmo tempo “pena”. Percebemos que ele “estorva” a família, mais ainda o vemos como parte dela. Talvez porque pensemos que nada é impossível e que também nós podemos nos metamorfosear em um bicho. Afinal, como acordamos essa manhã?

Boa Leitura!

Fagundes: um puxa-saco de mão cheia

Que a educação brasileira deixa a desejar, não é novidade para ninguém. Que existem muitas pessoas que ralam para conseguir adquirir esse valor, também não. Mas, o que é impossível deixar de fora dessa lista de “verdades assimiláveis” é a questão dos méritos, melhor dizendo, aqueles cidadãos que, mesmo sem fazer nada de substancial, conseguem se dar bem na vida.
É até perigoso falar do assunto, uma porque não sei quem o lê e porque talvez aqui alguém se sinta “no mesmo caso” desses “boas sorte”. Vejamos uma situação: o indivíduo nasce, é bem educado, estuda em escola pública, cresce, aprende o que fazer e o que não fazer, mas principalmente, onde fazer, e descobre que o mundo “é maior do que o seu quarto”. Tendo isso em mente, o sujeito vai atrás desse mundo, junto a ele milhares de tantos outros que buscam o seu lugar ao sol. Depois de alguns anos, eis a recompensa. Tudo aquilo pelo qual ele lutou agora faz parte de sua realidade, falta apenas arranjar o emprego. E aí é que vem o golpe do destino.
Sabe aquele colega que não estava nem aí para qualquer aula, seja de história, metodologia ou economia? Aquele que no intervalo saia para paquerar (isso no 5º período da universidade gente!), que o único livro que leu era Kama Sutra? Então... Eis que esse mesmo ser está ali, disputando contigo a vaga de emprego.
Depois da entrevista o olho não desgruda do celular (vai que ele toca e você não vê!). Ninguém liga e então você resolve tentar outro e mais outro, até que, enfim, lá está você de carteira assinada, contribuindo à previdência social para que daqui a poucos anos esteja incluído nos anais do governo e recebendo a aposentadoria. Ah o grande sonho realizado!
Contente com sua vida, você descobre, depois de muito tempo, que aquele colega, o da entrevista, paquera no intervalo, Kama Sutra, ele mesmo conseguiu aquela vaga. E, acreditem, até o momento foi promovido três vezes, ganhando mais ou menos quatro vezes a mais que você (e o teu salário nem é tão ruim assim!).
Conseguiram pensar em algum conhecido? Se a resposta for sim, bom vocês já sabem o porque esse cidadão chegou aonde chegou: puxa-saquismo puro, gente! Daquele deslavado mesmo. Que não tem hora, nem momento específico.
É para essas pessoas que dedico esse comentário. Alguns leitores devem estar se perguntando “mas porque se o cara não vale o que come?!” e logo vem a resposta: o livro é para eles pois a dica de leitura dessa semana é “Fagundes: um puxa saco de mão cheia” (Laerte, 1990) que, ao contrário que possa parecer, carrega um humor inteligente e sarcástico. Nele, é possível descobrir uma quantidade incontável de adjetivos e frases de impactos. Com certeza uma grande dica àqueles que gostam de “bajular” outros e que às vezes desconhecem o “abençoado” dicionário. Aqui fica uma “luz” para colegas que assim sentirem necessário. No mais, outros podem garantir boas risadas e infortúnios pensamentos. Descontração garantida para aqueles que sabem apreciar mais que posições eróticas.


Boa Leitura!

Em que crêem os que não crêem

O ser humano ao longo de sua trajetória passou por inúmeras experiências e absorveu conhecimentos distintos que o levaram a descobertas inimagináveis. Esse conhecimento fez o homem pensar, refletir e indagar a respeito de assuntos, até então, considerados acabados. De maneira resumida e, talvez até simplista, entendemos, então, o conhecimento (e esse não é apenas teórico) como alavanca propulsora de idéias, proposições e projetos. Algumas foram (e ainda são) geniais, outras maquiavélicas, prepotentes, ou perturbadoras, dependendo, claro de quem as concebeu.
Muitos desses pensamentos foram bem aplicados e deram resultados positivos. Prova disso é a tamanha produção e criação desenvolvida pelo homem. Outras, no entanto, poderiam nem ter surgido, mas assim se constrói a história.
O duelo entre boas e más intenções inicia tão logo o surgimento dos povos e, nesse primeiro ponto, temos já dois caminhos distintos de proposições: um que defende a criação do mundo por Deus e outro que, pela ciência, explica tudo através de uma série de acontecimentos que desataram no big beng.
Nem bem começamos a dissertar sobre o assunto e logo surgem contrapontos. Podes perguntar se isso é ruim. De forma alguma. É com o debate de idéias que crescemos, aprendemos e desenvolvemos o senso crítico. E tudo o que foi dito até agora tem apenas a função de apresentar o livro “Em que crêem os que não crêem”, um diálogo entre Umberto Eco e o padre Carlo Maria Martini, publicado pela revista italiana Liberal, na década de 90.
O debate tem como foco principal tratar da ética, mas, ao entrar nesse perigoso terreno, Eco e Martini falam também de questões como a obsessão por um apocalipse salvador, a esperança que surge de “um fim”, o início da vida humana e homens e mulheres segundo a igreja. Neste último tema, cabe a citação do autor com seu posicionamento frente o divórcio, principalmente entre os católicos: “não vejo por que os laicos têm que se escandalizar quando a igreja católica condena o divórcio: se quer ser católico, não se divorcie, se quer se divorciar, faça-se protestante; reage só se a igreja pretende impedir a si, que não é católico, que se divorcie”.
Quando falado sobre a ética, os caminhos defendidos são ainda mais contrários. Martini propõe que a ética vem, basicamente, de um preceito religioso, ou seja, aqueles que em nada crêem não possuiriam, então, a ética, isso porque não teriam o alicerce básico para se sustentar. Eco, por sua vez, fala que não necessariamente seja preciso crer em Deus para manter uma ética de vida estabelecida. O autor propõe que é possível mantê-la se houver amor ao outro. Simplesmente! Tomando como parte o segundo pensamento, o homem se portaria conforme os seus próprios mandamentos e “para aqueles que a tudo designam punição, ele mesmo (o homem) se punira, talvez de maneira mais cruel ainda”, argumenta o autor.
Esse é um pensamento que poderíamos caracterizar como “designo de absoluta liberdade”, pois deixa as pessoas a la vonté para que possam decidir o caminho a seguir. Mas, não é assim que “a música toca”.
Temos regras, leis, normas. E não são poucas. Para toda ação, uma sansão. Pensar em outra maneira do homem se portar como civilizado é, no mínimo, desafiador. Por isso, o que fica mesmo é “crença” de que, talvez, pudéssemos viver em um ambiente com pessoas de boa fé, sem ganância, injustiça e julgamento. No entanto, para isso cada um precisa entender o que é ética pessoal e profissional, mesmo que elas se complementem. Se caminharmos com as duas juntas quiçá tenhamos uma história um pouco diferente. 
Boa Leitura!