4.14.2009

O cheiro do ralo


Já falamos aqui da insatisfação natural da qual sofre o ser humano. Na verdade, talvez não seja assim um sofrimento. O que é certo é que traçamos objetivos e é atrás deles que corremos, literalmente. Apostamos nossas fichas, deixamos de lado outros projetos (que um dia também tiveram seu grau de importância) e nos dedicamos única e exclusivamente a pensar em nosso mais novo meio de saciar uma vontade.
Abstrato demais? Então, pense, lembre ou invente: você encontra uma pessoa, acha-a bacana, pensa em investir, encontra-a de novo, percebe que, realmente, vale a pena correr atrás. Usa de todos os teus artifícios (sensuais e criativos) e enfrenta o mais novo desejo. O caso acontece e (que bacana!) você percebe que valeu todas as investidas mesmo. Com isso, tua mais nova “meta” é repetir a dose. Então, procura ideias, lê manuais, guia dos signos e segue em frente. Quando você acha que chegará a satisfação plena, você se percebe cansado. Já não tem mais a empolgação, nem tanto desejo. Alguns dirão: “Ah, mas ele não encontrou o verdadeiro amor”. Não, não falamos do amor. Nesse assunto, não nos arriscamos a falar. Falamos da busca, do desejo, do prazer em realizar algo.
A busca, seja sexual ou profissional, é como uma droga: causa um barato, mas, na verdade, toda a sua essência se mantém na necessidade que o indivíduo sente em repetir a dose. Ou seja, você luta, conquista e quer mais. Algumas pessoas, claro, não pensam assim: agarram o que tem e formam como se fosse uma bolha ao redor, sem chance de que alguém fure ou mude o que já está posto. Quem está certo nessa loucura toda é uma definição que não cabe a dicionários. Cada um vive e constrói a sua redoma.
Àqueles que preferem não “mexer no que está quieto”, muita complacência e pouca inspiração. Aos insanos, que nunca se satisfazem com nada, é preciso apenas a vida e a (in) certeza de que nada está (nem estará) completo e fechado. Tal como para o dono da loja de antiguarias em “O cheiro do ralo”, de Lourenço Mutarelli. Este careca, bom negociante e homem inquietante, tem uma busca incessante que convido os leitores a conhecer. Ele também tem um ralo (que fede!). E é entre o ralo e busca que toda a narrativa se constrói. Ele tem um apetite que se esconde atrás de coisas (bundas e olhos) das quais já falamos até aqui: desejo e satisfação; o inatingível e o querer.
É com sagacidade pura que o autor nos esclarece que, realmente, o que o careca buscava não estava nem na bunda, nem no ralo. Nem tampouco em outro lugar. O que ele buscava era só a busca. Por isso, continua o autor, quando percebemos que, apesar de tudo, não nos realizamos plenamente, só sentimos um imenso cansaço. “Só um vazio. Só a certeza do incerto”. Sentimos uma vontade de parar com tudo e, de repente, tentar ser mais sereno, menos inquieto. No entanto, estamos em casa e, sem mais nem menos, sentimos o coração batendo descompassado e descobrimos algo novo para buscar. Algo que nos faça acreditar e que nos leve, sempre, a desejar que o amanhã chegue logo. Que chegue quente e voraz. Como tudo.


Boa Leitura!

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