1.28.2010

Desculpa se te chamo de amor


Ok, admito, demorei mais que o necessário para lê-lo. Ele merecia mais atenção, mas as desculpas das férias devem ajudar um pouco. E, afinal, mesmo com toda a preguiça (sim, é pecado, eu sei), aconteceu aquilo que é comum com todos os bons livros: chegou um momento em que, simplesmente, era impossível fechá-lo e deixar de lado a sua história. Então, abandonei a tradicional partida de dominó com o sobrinho, o filme repetido que ele ainda não tinha visto e até umas cuias de chimarrão. E não consigo nem me arrepender porque no fim me apaixonei novamente.
E já que estamos nessa de amor, devo comentar que este foi à primeira vista. Circulava por uma lista infindável de livros, buscando algum que fosse especial e não resisti. Olhei aquele título em fonte manuscrita, um autor que ainda não conhecia e decidi: é esse. Alguns dias depois já era testemunha do acidente de Niki e Alessandro. Testemunha daquele que viria a se tornar um incrível e surpreendente romance. “Desculpa se te chamo de amor”, de Federico Moccia.
Niki tem dezessete anos e cursa a última série do ensino médio; Alessandro tem 37 e é publicitário. Além dos 20 anos, estes dois têm muitas outras diferenças que, a princípio, pareciam inaceitáveis. Eram os pés dela no painel do carro, a roupa antiquada que ele usava, os horários, as responsabilidades, os gostos, os amigos e o passado. E, mesmo assim, ela disse “amor!”. Ele ouviu, fez de conta que não era com ele e disfarçou. Disfarçou um amor que queria evitar; fez de conta que não percebia a paixão batendo em sua porta; e continuou o relato sobre um trabalho a concluir. Niki deu de ombros e com a molequice de quem está apaixonada concluiu: “você ouviu bem e não adianta; eu vou te chamar de amor”. E chamou. Não só uma vez. Chamou por tempo suficiente para que nascesse um novo Alessandro Belli; aquele do sorriso fácil; que admite uma imprudenciazinha; que redescobre a felicidade em pequenos gestos e que, ao final, se rende e também a chama com aquela linda palavra.
Porém, em romances como esse nem tudo está definido. O passado respinga e, de repente, lá está o velho Alex. Em troca dele, uma outra Niki, mais madura e indiscutivelmente mais sofrida. Nesse momento, vem surgindo um aperto no coração; uma dor que parecia minha; a lágrima segurada com esforço; um emaranhado de pensamentos que começavam a jorrar. Quase não consegui acreditar; não poderia ser verdade. O sonho, o perfume, as palavras findavam a cada linha. E aquela história, que antes poderia ter sido disputada para ver quem assumiria o papel de protagonista, ia ficando só. Órfã dos atores principais. Afinal, ninguém gosta de pedir desculpas quando se ama, nem de sofrer.
No entanto, ainda assim me apaixonei e passei a aceitar que não é só a Niki que acredita em contos de fadas. Virei a página e reiniciei a procura por aquele final que poderia significar início de uma nova história, porque se for amor de verdade...

Boa leitura!

1.18.2010

Peripécias em verde e amarelo

O dia era uma quarta-feira qualquer. Dessas em que a mesa está cheia de papeis, bilhetes com tarefas a fazer e um telefone que não para de tocar. Em meio a todo o rotineiro alvoroço, a porta do escritório se abre e calmamente ele entra. Um amigo que conheci há pouco tempo, mas que dificilmente será esquecido. Nas mãos carrega a tradicional pasta que, provavelmente, contém livros, textos e um emaranhado de outros bilhetes. Com o jeito gentil de sempre, apresenta o mais novo fruto do seu trabalho: “Peripécias em verde e amarelo”. Na terceira página lá está a dedicatória: “À minha amiga Silvane, com o desejo de muitas gargalhadas, um abraço Torres Pereira”.
Em seu 16º filhote literário, como ele mesmo o intitula, Torres Pereira revela a cara do Brasil. Um país que ele assumiu como pátria desde 1976 depois de lutar como combatente de guerra na África e trabalhar como correspondente português num jornal em Zimbábue.
Começo, então, a leitura dois dias após receber o presente e penso, realmente, que gargalhadas me acompanhariam a cada virada de página. Me defronto, então, com a o contrário das piadas que eu acreditei existirem.
No livro, Torres nos fala muito bem sobre esse país que tem na contradição sua mais completa definição: de um lado a riqueza, de outro a pobreza; a inovação tecnológica e o analfabetismo; as mansões e as redes de esgoto a céu aberto; o salário mínimo e as pensões vitalícias; as belezas naturais e as favelas; a tristeza de não ter o que comer e a alegria em poder ajudar a quem sequer se conhece.
É desse Brasil que nos fala o autor português, mas não exatamente nessas palavras. Torres fala daqueles que poderiam mudar esses exemplos; daqueles que tem o poder nas mãos, mas que o usam apenas em seu próprio benefício. Torres apresenta aquela laia que receamos ter na família; que desejamos manter afastados e que, no entanto, deveriam ser o nosso porto seguro. A eles deveríamos levar nossas preces; estender nossos pedidos e cobrar verdadeiros milagres. Até porque, mesmo Deus sendo brasileiro não estamos dando conta e, ruim mesmo, pode ficar quando resolvermos desacreditar numa mudança. Quando escutarmos o horário eleitoral e percebermos que tudo não passa de uma mentirazinha; quando virarmos as costas para promessas toscas e passarmos a exigir, verdadeiramente, atitudes de homens. Homens que não pensem em tirar o dinheiro das nossas contas bancárias; que não empreguem a família toda em serviços públicos; homens que trabalhem como tantos outros, de sol a sol e que ainda possam sorrir. Que consigam eles gargalhar porque, afinal, tudo não passa de uma levada peripécia.

Boa leitura!

Ensaio sobre a lucidez

Chego à primeira resenha de 2010 infestada de nostalgia. E não é à toa, não. Este texto que segue é, senão mais, o centésimo que escrevo. E, como todo aniversário, não poderia deixar de fazer uma comemoração. Brindo, então, a centésima resenha; o centésimo livro em cerca de dois anos e meio com aquele que virou, no mínimo, um ídolo: José Saramago. E trago Saramago (ou ele me traz?) pelas vias de “Ensaio sobre a lucidez”. O livro segue uma espécie de sequência ao célebre Ensaio sobre a cegueira, recentemente levado às telas. Digo “uma espécie”, porque se em um a cegueira branca tomava conta de um país inteiro, neste Saramago deixa a todos “lúcidos”. Lucidez essa que atinge cerca de 80% dos votantes da capital daquele mesmo país que há quatro anos encontrava-se cego. Como? Votando em branco. Simples assim.
O que se propõe, de acordo com as orelhas do livro, não é a mera insinuação de uma substituição da democracia por um sistema alternativo, mas o seu permanente questionamento. Por isso, nem partido da direita, do meio ou da esquerda. Como se fosse combinado, 83% dos votos são em branco. O pleito, apresentando tal resultado, foi repetido e repetida também foi a resposta obtida. Aí começa o desenrolar de uma história com ativa participação do governo, imprensa e polícia. Cada um com uma intenção e uma forma de agir e, para começar, a declaração de estado de sítio; total isolamento àqueles que afrontaram a estabilidade política e civil. (Realmente difícil distinguir quais são os dementes e os lúcidos).
Os 17% que não concordavam com o ato (entre eles autoridades e familiares das autoridades) decidiram tomar atitudes ainda mais sérias quanto à demência dos demais. Então, o governo (como sempre) encontra maneiras para responder ao que aconteceu. Na busca pela sua verdade, submete o corpo e a mente dos suspeitos a perguntas onde a resposta deve ser uma só. Enquanto não ouvi-la, não cessará; não acatará nenhum pedido; nem ouvirá qualquer apelo.
E, pensando por esse lado, sorte a nossa que sempre temos uma resposta na ponta da língua (ou da caneta, como queira). Podemos até não concordar totalmente com o que ela diz, mas a cada pleito lá estamos nós a dar as respostas que nos pedem: deputado estadual, federal, senador, governador, presidente. Respondemos a tudo e sequer nos dizem obrigado. Não falo do agradecimento inserido em bonitos discursos, e sim daquele visível. Daquele presente nos projetos sociais, na educação, saúde, segurança pública. Mas talvez esteja eu falando apenas asneiras; ou como dizem: reclamando de barriga cheia. Afinal, panetones temos às sobras. Lúcidos ou locos, não importa. Importa que o ano começou, logo vem o carnaval, eleições e os muitos preparativos para todas as merecidas conquistas que o país obteve.

Boa leitura e um feliz ano novo!