1.18.2010

Ensaio sobre a lucidez

Chego à primeira resenha de 2010 infestada de nostalgia. E não é à toa, não. Este texto que segue é, senão mais, o centésimo que escrevo. E, como todo aniversário, não poderia deixar de fazer uma comemoração. Brindo, então, a centésima resenha; o centésimo livro em cerca de dois anos e meio com aquele que virou, no mínimo, um ídolo: José Saramago. E trago Saramago (ou ele me traz?) pelas vias de “Ensaio sobre a lucidez”. O livro segue uma espécie de sequência ao célebre Ensaio sobre a cegueira, recentemente levado às telas. Digo “uma espécie”, porque se em um a cegueira branca tomava conta de um país inteiro, neste Saramago deixa a todos “lúcidos”. Lucidez essa que atinge cerca de 80% dos votantes da capital daquele mesmo país que há quatro anos encontrava-se cego. Como? Votando em branco. Simples assim.
O que se propõe, de acordo com as orelhas do livro, não é a mera insinuação de uma substituição da democracia por um sistema alternativo, mas o seu permanente questionamento. Por isso, nem partido da direita, do meio ou da esquerda. Como se fosse combinado, 83% dos votos são em branco. O pleito, apresentando tal resultado, foi repetido e repetida também foi a resposta obtida. Aí começa o desenrolar de uma história com ativa participação do governo, imprensa e polícia. Cada um com uma intenção e uma forma de agir e, para começar, a declaração de estado de sítio; total isolamento àqueles que afrontaram a estabilidade política e civil. (Realmente difícil distinguir quais são os dementes e os lúcidos).
Os 17% que não concordavam com o ato (entre eles autoridades e familiares das autoridades) decidiram tomar atitudes ainda mais sérias quanto à demência dos demais. Então, o governo (como sempre) encontra maneiras para responder ao que aconteceu. Na busca pela sua verdade, submete o corpo e a mente dos suspeitos a perguntas onde a resposta deve ser uma só. Enquanto não ouvi-la, não cessará; não acatará nenhum pedido; nem ouvirá qualquer apelo.
E, pensando por esse lado, sorte a nossa que sempre temos uma resposta na ponta da língua (ou da caneta, como queira). Podemos até não concordar totalmente com o que ela diz, mas a cada pleito lá estamos nós a dar as respostas que nos pedem: deputado estadual, federal, senador, governador, presidente. Respondemos a tudo e sequer nos dizem obrigado. Não falo do agradecimento inserido em bonitos discursos, e sim daquele visível. Daquele presente nos projetos sociais, na educação, saúde, segurança pública. Mas talvez esteja eu falando apenas asneiras; ou como dizem: reclamando de barriga cheia. Afinal, panetones temos às sobras. Lúcidos ou locos, não importa. Importa que o ano começou, logo vem o carnaval, eleições e os muitos preparativos para todas as merecidas conquistas que o país obteve.

Boa leitura e um feliz ano novo!

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