7.30.2009

O bilhete premiado


Quem nunca pensou em ficar rico de uma hora para outra que atire a primeira pedra! Aquele sonho longícuo de não saber o que fazer com o dinheiro; de não se preocupar com as contas; sem precisar poupar no supermercado ou necessitar pensar três vezes antes de comprar um casaco sabendo que a grana vai faltar, deve ser algo, no mínimo, interessante. Talvez um bom exercício para a imaginação. Vamos tentar:
Você acorda, em sua cama gigante, abre o roupeiro e (realmente) escolhe o modelito do dia; deixa a roupa separada; vai para o banho; se arruma. Perfume, maquiagem, cabelo: tudo ok. Vai para a garagem, pega o carro, sente que está um pouco gelado, então, liga o ar condicionado; coloca uma boa música e anda até chegar ao trabalho, claro, sem grandes preocupações com o horário. Para o almoço, um bom restaurante; cardápio diversificado e uma deliciosa sobremesa. A tarde é dedicada a resolver pequenos entraves e à noite, talvez um bom filme, lareira, jantinha caseira, tudo em harmonia com o friozinho do lado de fora.
Voltando à realidade, os pés começam a gelar e os dedos, trabalhando no teclado do computador, queriam se enfiar debaixo das cobertas. Enquanto isso não acontece (mas faltam apenas algumas linhas), eles se contentam em permanecer em ação, à espera dos estímulos enviados pelo cérebro que trabalha pensando o que mais poderia ser feito se, de repente, ganhasse uma boa quantia em dinheiro. Não falo de assalto, gente! Por favor! Não é para tanto. Um bilhete premiado vem melhor a calhar.
Foi ao ler o conto de Anton Tchekhov, “O bilhete premiado”, que me surgiram todos esses pensamentos. Pensamentos que acompanharam também Ivan Dmítritch e a esposa, quando surgiu a possibilidade de ter o seu bilhete premiado. Foi na narrativa dessa possibilidade que despontaram desejos, planos e sonhos ainda escusos do casal. Desses que nem nos damos ao “luxo” de sentir. Eles precisaram de um bom tempo para conseguir sonhar o que haveriam de fazer caso o bilhete fosse mesmo o da vez. No entanto, não necessitaram de tanto tempo assim para imaginar outras coisas também. Dessas que não fazem bem ao espírito; que levam sujeitos tranquilos à loucura; e que alguns dizem ser privilégio dos ricos, atordoados com o mal causado pelo excesso. Exatamente ao pensar nisso que os dedinhos esqueceram do frio e bateram, sem trégua, em letras soltas e vazias. Talvez quisessem dizer que se o excesso faz mal, a falta muito mais. Mas são apenas dedos que nem sequer sabem apostar. (E vamos para debaixo das cobertas, porque o frio em demasia é que não é nada agradável!)


Boa leitura!

7.28.2009

As cinco pessoas que você encontra no céu


Certamente, muitos dos leitores que acompanham esse texto já perderam alguém em sua vida. Não falo aqui das perdas “sazonais”, de pessoas que surgem e somem com a mesma rapidez. Mas sim daquelas que se vão eternamente. Que não podem mais serem tocadas, nem sentidas, tão pouco admiradas. Destas, nem é bom pensar muito. Vai vindo um aperto no coração, um sentimento que não pode ser controlado porque é fruto de algo que não entendemos. De repente, tudo o que foi dito, os planos, sonhos e projetos se perdem numa batida de carro, numa parada cardíaca, num acidente doméstico tolo que, simplesmente, leva alguém que estava ao nosso lado. Alguém que, poxa vida, não era justo. Este sentimento, garanto, foi experimentado por diferentes pessoas em fases distintas da vida.
A incompreensão deixada pela morte é algo que “só quem fica para saber”. Este é o nosso lado na conversa. O nosso ponto de vista. O único, por assim dizer, já que não temos contato com a “outra face” (para aqueles que acreditam que ela existe, claro). No entanto, certo dia ouço o comentário sobre um livro intitulado “As cinco pessoas que você encontra no céu”, de Mitch Albom, que traz a experiência de Eddie ao chegar ao céu e pensei: que pessoas seriam estas?
Assim como inúmeros outros seres simples e comuns, o personagem principal do livro por vezes se vê entediado e acometido por um triste sentimento relacionado a sua vida. A insatisfação, o desejo que não fora realizado, o sonho deixado para traz, as dificuldades, os imprevistos, empecilhos e impedimentos que conhecemos muito bem, fizeram Eddie levar a sua vida como se fosse um fardo. Desses que simplesmente carrega-se, sem saber para onde, o porque é tão pesado e se é possível deixá-lo no caminho. Não sabemos disso. As coisas vão acontecendo em nossas vidas e de repente a única pessoa que não parece decidir nada do rumo a tomar é você mesmo. Como se fosse transformado num ator, você decora as falas e interpreta da maneira que dá. Não questiona. Apenas faz o que deve ser feito.
Assim foi com Eddie Manutenção e assim é com tantas outras pessoas que parecem não ter escolhido o caminho. Simplesmente seguem andando. Se é uma maneira de conforto, não sei, mas Eddie descobriu muitas coisas ao encontrar as cinco pessoas no céu. Cinco seres que passaram (rápida ou morosamente) em sua vida. Pensei então em quem encontraria: seriam indivíduos conhecidos? Pai? Mãe? Amigos de infância? A primeira professora do colégio? Não consegui imaginar quais seriam “os escolhidos”, apenas pensei que, se existe céu, se realmente tivéssemos a chance de chegar lá e entender o porquê tudo aqui aconteceu desta forma, é uma maneira de levar acalanto à inquietação diária. Mas, também deve nos fazer pensar que, de repente, não seja preciso tanto para entender algo que nós mesmos fazemos parte. Talvez, devêssemos ser palavra mais atuante nesta peça e decidir, por exemplo, para que lado será dado o primeiro passo do dia.


Boa leitura!

7.22.2009

Em legítima defesa


Algumas pessoas devem ter o que um bom amigo meu chama de “estrela”. Pessoas que parecem estar sob a luz de algo muito maior que as orienta em direção aos bons caminhos que a vida pode oferecer, seja na vida profissional, amorosa ou social. Pessoas assim, de acordo com a presente definição, não são facilmente encontradas. Existe uma entre dez (talvez mais, talvez menos). São daquele tipo que você percebe na hora que tem algo a mais. O mérito da “estrela” ainda não foi descoberto, enquanto isso julga-se que seja algo totalmente involuntário ao querer ou não do indivíduo que a carrega.
No entanto, tal como existem pessoas com uma “estrela” existem outras que parecem ter nascido para ofuscar. Pessoas que não contentes com suas próprias obrigações e deveres, intermeiam outras realidades e colocam ali uma nuvem: escura e pesarosa. Pessoas como a esposa do bom fidalgo, protagonista da história de Daniel Defoe, “Em legítima defesa”. Ela, atual esposa do fidalgo, faz de tudo para que ele atenda a seus pedidos e assim esqueça as próprias vontades, ora por cansaço ora por tamanha obstinação da mulher. Dessas pessoas, não precisamos nem falar muito, todos conhecem alguém que se encaixe nas definições.
Mas, afinal, há pessoas de todos os tipos. Sem contar aqueles que fingem ser o que sequer sabem fingir. E ao cairmos nessa discussão de “biotipo estrelar”, entramos (quase automaticamente) no assunto que diz respeito às ações destes indivíduos. Algumas das quais nos levam à beira de desacreditar naquela esperança que mantém de pé sonhos e intenções. Esperança de encontrar o seu lugar; fazer um bom trabalho; conviver e conhecer pessoas especiais. Esperança que faz com que absurdos sejam, então, tomados como verdade, mesmo que por fim, façam parte de uma realidade bem mais fria e desajeitosa. Uma realidade que não cansamos de imaginar como um sonho. Destes como o que alertou o fidalgo a não tomar uma atitude que fosse contra sua consciência. Funcionou com ele que ainda tem consciência para pesar. Mas, claro, coisa de poucos. Como as estrelas.


Boa leitura!

7.08.2009

Tique... Taque


Dificilmente escutamos o silêncio. E, num primeiro momento, isso até parece meio antagônico já que o silêncio não emite ruído qualquer. No entanto, talvez por isso alguns digam o sentir. Mas, aí já é outro “departamento”; cabível apenas às pessoas extremamente sensíveis e com um bom tempo para parar e refletir sobre o que vem de dentro (quase profundo isso!). Por que o silêncio, diferente do barulho do caminhão, não dói no ouvido; se aconchega suave a ponto de nem o percebermos. E aí está um possível “problema da vida moderna”: ouvir coisas demais e não sentir.
Fazemos inúmeras coisas que até esquecemos de perceber, batendo na pele, outras tantas; coisas que não gritam, que sequer podemos tocar; dessas que não têm no mercado e nem dá pra por no cartão de crédito; mas que nem por isso deixam de ter a sua importância. É algo como o tique taque do relógio: o tempo poderia, tranquilamente, passar sem ele, sem ruído; só pela mudança dos ponteiros e nada mais. No entanto, ali está “tique taque, tique taque” repetindo-se de maneira despretensiosa e parecendo não perceber que precisamos que ele vá mais devagar; que ele pare em alguns momentos. Então, ele simplesmente corre e, de repente, escutamos um estrépito maior quebrando o silêncio e percebemos, então, que o dia passou; as atividades não foram cumpridas e, sim, pode acreditar, já fazemos parte de um novo dia começado aos trancos.
Por ser algo rotineiro, não são todos os que conseguem distinguir este som; diferenciar um relógio de um trovão ou de um grunhido é apenas para alguns. Outros, só escutam, sem saber ao certo o quê. Escutam, esquecem e continuam vivendo. Se isso é melhor ou pior, quem poderá dizer; apenas não diferenciam mais o barulho do tique taque. Quem sabe tenha sido essa a grande causa da demência de Arturo de Maracielos: não escutar mais o som e ao mesmo tempo ser o som; ser a máquina do relógio; controlar os ponteiros. Ou, de repente, talvez ele seja mais um dos tantos “dementes” que apenas fingem ser; e desses, temos aos montes: uns que não sabem de nada nunca; outros que põem a culpa no companheiro do lado; e aqueles que furam a fila fingindo esquecer de algumas normas. É a trapaça, a ganância, a esperteza disfarçada de loucura; a demência de querer ser um relógio para controlar o tempo, no entanto, nem este, nem o silêncio são domados.


* Tique... Taque, de Alarcon.

Boa leitura!