3.30.2010

Anjo Negro


A diversidade é, sem dúvida, o que nos leva a crescer. Através dela nos deparamos com aquilo que tem caráter de novo, surpreendente, inimaginado e desconhecido. Através desse contato, nos defrontamos com a possibilidade de releituras e novas formas de aprendizado. Quando lemos um livro que “nos pega de jeito”, por exemplo, a vontade que dá é ler apenas livros que sejam do mesmo autor para, assim, levar adiante o mesmo entusiasmo. No entanto, às vezes é preciso de risco. Fazer uma aposta e, de repente, ter uma baita de uma surpresa.
Nesta semana apostei. Mas não foi nenhuma aposta de grande impacto, pois o nome em questão tem todo o mérito e pompas a seu favor. No entanto, ainda assim, escolhi o livro sem saber como seria a narrativa, o desenrolar da história e etc, etc. e, mais uma vez, me dei bem: “Anjo negro”, de Nelson Rodrigues, entrou, então, para a lista de “autores a consumir”.
O livro que, na verdade é a apresentação de uma peça, foi escrito em 1946, passou pela censura e, em 1948, foi à cena. Na trama, encanto e repúdia dividem espaço com a história de Ismael e Virgínia e, por isso, muitos a reconhecem pelas denúncias de obscenidade e desrespeito à moral. Isso porque o autor aborda temas de difícil aceitação como o incesto, a mistura entre ódio e amor, a repulsa do sexo que disfarça a obsessiva atração e, principalmente, o racismo.
É em torno desta questão que a maioria das cenas se desenrolam: é o “preto racista” que viola a “branca pura” na procura pela sua própria pureza; e o racismo da branca que deseja e odeia o ardor que sente pelo preto que a encanta e prende. O desejo carnal e a loucura do enclausuramento fazem dela (Virgínia) uma pessoa capaz de aceitar a maneira como foi violada e a violência com que sobrevive. Ele (Ismael) despreza a sua pele e passa a encontrar outro homem em seu corpo.
Não é a toa que Nelson Rodrigues dá, em sua primeira fala, a ordem que “a ação se passa em qualquer tempo, em qualquer lugar”. O racismo de que ele fala na década de 40 é a exacerbação do racismo que hoje fingimos não perceber. O sexo explícito numa época em que levava somente ao pecado é o desejo ardente transmitido em rede nacional, no horário nobre. É um emaranhado de loucura, possessividade, amor, devoção, desejo e sadismo, tudo acontecendo num espaço simbólico. Espaço simbólico de um Brasil que, muitas vezes, fingimos esquecer ou negamos.


Boa leitura e até a próxima semana!

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