A maioria das casas que entramos tem o chamado “quartinho da bagunça”. Ali são depositados utensílios em desuso, caixas vazias e poeira, muita poeira. Olhando por essa ótica o quartinho parece, então, descartável se for feita uma bela faxina, certo? Impossível!
O “quartinho da bagunça” é tão importante quanto a própria cozinha. Além de caixas vazias, poeiras e objetos que não se usam mais, têm muita lembrança. Para os supersticiosos, então, melhor reservar um espaço um pouco maior para tanta coisa que precisa ser guardada.
Como em quase tudo nessa vida, isso não acontece com todas as pessoas. Uns simplesmente odeiam qualquer coisa com mais de um ano; outros não têm espaço, e há aqueles que escolhem um desses ambientes para alojar simplesmente segredos. Segredos que apenas duas ou três pessoas compactuam; desses que podem mudar o curso de uma vida e, se revelados, podem causar um estrago tal como um “aluvião alvoroçado e revolto”.
O segredo tem várias “faces”. Ele une pessoas (as que compactuam), pode separar outras (que fiquem de fora das revelações) e pode causar um imenso desconforto em “terceiros”.
Às vezes guardamos segredos de outros por décadas e nem nos atrevemos a tocar no assunto. Outras vezes não “aguentamos” e daí vira fofoca. No entanto, existem segredos mais graves. Aqueles que escondemos de nós mesmos; que fingimos não saber e que nos deixam perplexos quando revelado. E desses, minha gente, desses têm um monte.
Não são poucas as pessoas que fingem não saber determinado assunto para ficar “de boa”, relax, sem incômodo. Isso acontece na política, igreja, vida a dois, enfim, em, praticamente, todas as relações humanas. Afinal, nem tudo pode (deve) ser exposto de tal forma que não contenhamos segredo algum. Guardar segredo, além de ser uma maneira de preservação e cuidado, é uma forma de manter certas coisas que poderiam ser perdidas se informações fossem reveladas.
Toda essa história de quarto da bagunça, segredos e afins para falar de um enterro. Não um simples sepultamento, mas sim o “Enterro do Diabo”, um livro de Gabriel García Márquez. A história, narrada em Macondo (aquela mesma de “Cem Anos de Solidão”), retrata o momento em que o povoado parou para ver o cortejo passar. O dia era uma quarta-feira. Calor, poeira e vento. Por detrás da janela à cidade, devastada pela companhia bananeira, à revelia de rajadas de ventos, que ainda carregava as marcas da guerra. Dessas marcas ficaram as lembranças da noite em que todos precisavam da ajuda dele, o doutor, que se negou. A partir daí, mais segredos surgiram na antiga Macondo e então nada mais foi como antes.
Também no livro, segredos são inquietantes e provocadores. Levam à pensamentos escusos e interpessoais. Como diz o autor, “Enquanto alguma coisa remover-se sabe que o tempo passou. Antes não. Antes que alguma coisa se mova é o tempo eterno, o suor, a camisa, grudada na pele e o morto insubornável e gelado por detrás de sua língua mordida”. Sem movimento, não há vida, nem cor, nem sabor. Sem movimento, o ar fica sereno e o tempo de luto. O movimento é ação. O olhar. O beijo. A carícia. É a fala. O segredo e o calar, no momento certo. Isso é a vida. O resto é morte e sepulcro. Estáticos e sem bagunça. Nem no quarto nem na mente.
Boa Leitura!
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