6.11.2009

1968: o ano que não terminou


Bons tempos eram aqueles do colégio; o intervalo; as amizades; o barulho ensurdecedor dos gritos, falas, risos; tudo guardado num passado que, “poxa vida!, Era bom e não sabíamos o quanto”. Nesse mesmo colégio, a estrutura “não era lá essas coisas” e, então, alguns professores eram adaptados à disciplina que estava em maior carência e aí o mesmo que trabalhava “ensino religioso”, dava “artes” e “educação física”. Na época, isso era até engraçado (muito pela falta de destreza do educador para tanta diversidade), mas hoje, todas essas lembranças, além de nostalgia, nos fazem pensar que perdemos algo que faz sim, muita falta. Um exemplo são as aulas de história: víamos o comunismo, o socialismo, a divisão política do mundo, Era Vargas, Diretas Já e por aí vai. Aprendíamos esse conteúdo como parte de uma história distante, quase incompatível com a atual realidade. Os anos passam e, de repente, você, de livre e espontânea vontade, opta por uma leitura de fim de semana e adivinhem: escolhe um livro como o de Zuenir Ventura, “1968: o ano que não terminou”.
Nele vemos falar de jovens rebeldes, admiradores de Marx, Che Guevara, desses barbudos e cabeludos, destemidos, pouco preocupados com qualquer vestígio fútil de estética; jovens que se juntavam para (pensem só!) discutir política. Esses mesmos jovens tinham ideais em comum: lutar contra a injustiça, melhores qualidades de ensino, liberdade de expressão (e aqui não cabem clichês) e liberdade para produção artística; jovens “com a história na mão, aprendendo e ensinando uma nova lição”, tal como disse Geraldo Vandré na canção que virou hino de um período (Pra não dizer que não falei de flores). Jovens que, como conta Zuenir, quando questionados sobre sua “admirável tática de guerrilha urbana” respondiam: “tudo o que nós sabemos, aprendemos com a polícia”.
A obra apresenta entrevistas, depoimentos e recortes de textos publicados em jornais, revistas, livros e documentos referentes ao funesto ano de 1968. Porém, mais do que isso, faz um retrospecto na trajetória política de um país hoje visto como calmo e pacato. Desde a festa de reveillon na casa de Heloísa Buarque de Holanda à efetivação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) conhecemos um outro Brasil. De maneira exemplar, o jornalista narra todos os acontecimentos desse importante ano na vida política do país. “Debaixo de uma apagada e vil tristeza, o ano chegava ao fim – o ano, o capítulo o livro. Os dois últimos por falta de autor –, também ele, como todo mundo, levado pelo arrastão”. Assim termina o livro de um ano sem fim na memória de muitos brasileiros. Um ano que emociona e revolta. Nos faz pensar que a história talvez pudesse ter sido diferente se, quem sabe, tivéssemos visto a luta desses jovens, artistas, autônomos, estudantes, jornalistas, advogados; se tivéssemos ouvido os gritos e gemidos impostos pela tortura; se pudéssemos ter imaginado o quão sofreram aqueles que quiseram lutar pelo tal progresso inscrito na bandeira nacional; talvez, se tivéssemos tido a sensibilidade (oportunidade?) de conhecer pessoas como Vladimir Pereira pudéssemos entender o que esse país tem; saber qual a sua doença, porque covardia não é. Dessa, só aqueles que impuseram a miséria e a ditadura sabem falar. Hoje, como uma das tantas ex-alunas de escola pública, percebo que era deles que devíamos ter ouvido falar; era eles que deveríamos ter contracenado nos desfiles de 7 de Setembro; deles deveríamos nos orgulhar, pois se ainda existe algum sentimento de esperança é pela luta que eles travaram contra o maior de todos os inimigos: o egoísmo. Talvez aí, saberíamos na ponta da língua o que é esse tal de PIG*.

* PIG - Partido da Imprensa Golpista, nas palavras de Paulo Henrique Amorim.
Boa Leitura!

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