2.04.2010

Estorvo


Há dias em que nosso cérebro parece se negar a fazer mais do que as habituais responsabilidades exigem. Para ele, basta cumprir com o que lhe é de costume e todo o resto estará concluído. Mas, há também, aqueles dias em que a mente não pára. Que cada palavra é desculpa para uma ideia estapafúrdia; em que toda a imagem serve como trampolim para criar mil novas teorias. São o que chamamos de “dias imaginativos”.
Para alguns não são tão frequentes como deveriam; outros gostariam de poder moderá-los. Mas estas são coisas que não se controlam; que fogem ao nosso poder decisório, tal como os acontecimentos que se desenrolam de maneira descontrolada quando fazemos algo que não deveria ser feito. Imaginando que isso possa ter parecido um pouco confuso e que logo irá me fugir ao controle, cito um exemplo, como aquele dia em que você, cuidadosamente, se prepara para uma conversa com o seu amado, organiza as falas iniciais, o momento em que o diálogo deve mudar de rumo até que chegue ao ponto crucial (de que você está com a razão, claro!). No entanto, entretida em decorar as falas você se esquece de pensar num plano B e no momento do discurso toca o telefone; ele atende e quando desliga muda totalmente o caminho da conversa. Sem querer, vocês dão outro ritmo ao diálogo e aí, ou se acertam, sem você ter conseguido a palavra final da razão; ou brigam de uma maneira quase irreversível.
Sem grandes desafios, assim pode ser imaginada uma ação que acontece independente de como a tenhamos pensado. A porta batida sem intenção; o telefone desligado no momento errado; a campainha acionada e logo abandonada.
Dessa forma, também é Estorvo: uma ideia que emerge entre um pensamento e outro; entre o sonho, a loucura e a vida real. Estorvo é a imaginação guardada a sete chaves; o devaneio e a embriaguez inconstantes; é o trabalho não concluído devido à distração, mas é também a própria distração; é aquilo que atrapalha; que não deixa as coisas acontecerem e que, por isso mesmo, acaba por garantir o seu reconhecimento.
Estorvo, primeiro romance de Chico Buarque é, então, simples; é a história; é o pensamento que não merece vir à tona; é o desejo; a ânsia, repulsa, medo, covardia e é, por fim, aquilo que não se descreve em poucas palavras, mas que, de alguma forma, fazemos uso e nos apropriamos.


Boa leitura!

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