5.21.2010

O andar do bêbado


Levante a mão quem nunca ouviu a frase: “foi só elogiar que agora fez coisa errada”. O dito, muito usado em tempos de colégio, quer dizer que mediante um elogio “decaímos” em nossa produção, seja ela acadêmica ou profissional.
Mais uma: alguém aí sabe o porquê, ao apresentar uma pesquisa eleitoral, surge a ressalva: “2% para mais ou para menos”?.
Essas e outras questões de probabilidade e aleatoriedade podem ser encontradas no livro “O andar do bêbado”, do doutor em física Leonard Mlodinow. A obra reúne uma síntese de processos matemáticos, físicos e astrológicos presentes não só em problemas que parecem sem solução, mas também em nosso cotidiano. E é por características assim que surge o embate: devorar a matemática ou desistir do livro?
A dúvida, confesso, existiu, e resistiu, por mais tempo que eu gostaria. Prova disso, é que escrevo a coluna atordoada, olhando o relógio e pensando no fechamento do jornal. E sabem porquê? Porque pessoas como eu, que se dedicam às letras, muitas vezes refugam os números, cálculos e raciocínios lógicos. Eis a problemática (literalmente falando): o livro é carregado se suposições, probabilidades, fórmulas de matemáticos e cientistas de importância inegável.
E, para meu próprio espanto, sobrevivi à narrativa e isso se deve a considerável competência do autor em abordar um tema “técnico” de forma que se relacione com questões do dia a dia.
À propósito, quando dizem “2% para mais ou para menos” quer dizer que, se repetissem a pesquisa uma grande quantidade de vezes, em 19 de cada uma das 20 pesquisas (95%) o resultado estaria a menos de 5% do valor correto. Então para ‘poupar’ trabalho, joga-se esta margem e que vença o melhor. Quanto ao fato de recebermos um elogio e logo depois falharmos, não quer dizer que o elogio é que ocasione a falha. Mas sim, que a presença de inúmeros outros fatores que acontecem ao nosso redor, potencializam a maneira como agimos a cada novo fato. E isso pode ser positivo ou não.
Depois dessa, acabaram-se as desculpas para evitar elogios. Que venham as pompas.

Boa leitura e bons cálculos!

As mentiras que os homens contam


Quantas vezes você mente por dia?
O que? Lhe ofendi com a pergunta?! Desculpe-me! Mudarei, então, a formulação da questão: você, algum dia, já mentiu? Não precisa ter pressa para responder. Pense bem, reflita, relembre. Como respostas, servem aquelas mentirinhas tolas que às vezes escapam sem consentimento; que escapulam libertas e quando vimos não há mais o que fazer.
Mentirinhas assim temos aos montes, certo?! Ainda não?! Ok, desisto! Vou restringir o grupo a que a pergunta se destina: claro, os homens. Agora não tem erro: em corro a resposta é... tchã tchã tchã.... Sim! Os cuecas mais afoitos poderão afirmar que isso é preconceito de gênero. Mas, me baseio aqui nas falas de um próprio representante da ala masculina: Luis Fernando Veríssimo (e não é qualquer representante não, hein).
A fala do consagrado escritor caracteriza “As mentiras que os homens contam”, livro que nos traz até aqui. A série de crônicas nada mais é que um emaranhado de bons textos com histórias divertidas e, claro, acaloradas pelo bom humor e inteligência do autor. Nos escritos, mentirinhas “bobas” que os homens aplicam, muitas vezes sem saber o porquê. Simplesmente falam e com mentiras é assim: falamos num momento e logo depois já não há como negar. Afinal quem é que vai querer ficar com cara de mentiroso?!
Em função destas pequenas “calhordices”, somos apresentados a um emaranhado de relatos que se confundem entre o que é fato, o que é boato, o que poderia ser verdade e o que, principalmente, preferimos que seja mentira. E aí Veríssimo é categórico: homens mentem para nos fazerem felizes. Discordem as mais veementes, mas, eu, após acompanhar a sequência de textos, preciso admitir: uma mentirinha a toa não mata ninguém (a verdade, essa sim, é cruel e fria).
Um exemplo: você caminha pela calçada ao lado do seu (eterno) amor. Passa uma daquelas mulheres que correspondem a todos os requisitos da constituição do que seria uma mulher bonita, charmosa, gostosa, misteriosa e, claro, super atraente. Você percebe um breve movimentar de olhos, pescoço e boca. E então tem a brilhante ideia de perguntar: “gostou amor?”, ele diz, na voz mais melosa que consegue provocar: “capaz amor! Tenho tudo o que preciso com você”. Você deixa por isso mesmo e continuam a caminhada rumo à pizzaria. Agora, confesse: o que faria se ele dissesse: “mas é obvio né amor. Uma mulher dessas é impossível não gostar”. Então, mulherada, não sei quanto a vocês, mas prefiro a primeira opção. Principalmente se estiver na TPM. Como diz o autor: “mentir é uma questão de sobrevivência”. Sábio Veríssimo.


Boa leitura!

5.13.2010

Comunicação de massa sem massa


No mês em que se comemora o Dia da Liberdade de Imprensa, nada mais peculiar que falarmos sobre a comunicação e, claro, os rumos que os meios de comunicação tem tomado, bem como que liberdade é esta que tanto se fala.
Não é de hoje que o debate sobre até onde vai a liberdade dos meios de comunicação ou a falta dela acontecem. Tão antiga quanto a própria imprensa, esta discussão faz com que voltemos à história e analisemos toda a constituição do atual cenário comunicacional. E foi isso que Sérgio Caparelli fez no livro “Comunicação de massa sem massa”, ainda em 1947.
Caparelli faz um breve relato de toda a história da mídia brasileira, desde sua fundação pelas mãos de Assis Chateubriand, a sua passagem pelas regras estabelecidas com as leis de segurança nacional, as concessões públicas, o início do rádio, a ascensão da TV, a rotina dos jornais diários e o surgimento da imprensa alternativa.
Criada a partir de modelos americanos, a imprensa nacional, logo após dar os primeiros passos, se vê à margem do processo ditatorial que instalava-se. Neste processo, leis deveriam ser estabelecidas, tudo de maneira que prevalecesse a união e o patriotismo. Para isso, campanhas publicitárias começavam a conquistar seus espaços e mostrar um Brasil diferente das brigas, lutas, torturas e miséria, em prol dos objetivos nacionais. Tal como consta na pesquisa feita pelo autor: “a censura exibida nacionalmente agia através da supressão de imagens e palavras na televisão e sua substituição por problemas irrelevantes [...]. Aliás, esta censura serviu de reforço a uma predominância dos conteúdos de evasão dos Meios de Comunicação”.
A partir daí, surgem também conceitos como objetividade e imparcialidade. No entanto, estes conceitos, de acordo com o autor, vieram mais para validar uma imprensa que levava consigo ideais nada “imparciais” do que para traçar um caminho a ser trabalhado. E é neste contexto que surgem as mídias alternativas: para dar espaço e voz aos marginalizados pelo sistema. Estas “novas” formas de fazer mídia estabelecem, então, uma proximidade entre o meio e o receptor, que deixa de ser apenas parte da grande massa e se consolida como sujeito. Sujeito este que por mais que integre a “massa” não vê na programação para ela feita a discussão sobre o seu problema; não vê a sua realidade e suas particularidades. Pois, a massificação deixa todos iguais e fazer isso num país marcado pela diversidade é, no mínimo, um risco. Por ser de 1947, até que está bem atual, não é mesmo?
Boa leitura e até a próxima semana!

5.07.2010

Divã


Piadinhas não faltam para dizer que mulheres falam demais. E falamos mesmo! É tanta coisa na cabeça, tanta imaginação, planos, projetos, intenções, tanta, tanta coisa que é difícil não expressar isso em formas de palavras. Maridos, namorados, irmãos e amigos que nos desculpem, mas não há o que fazer. Existe dentro de cada mulher uma necessidade latente de esbravejar a felicidade e lamentar qualquer vestígio de tristeza. E cada uma encontra o seu confidente especial para a tarefa. Mercedes preferiu “falar” com um psiquiatra.
Lopes era o nome dele. Mas do Lopes pouco sabemos. Escutamos mais são as histórias de Mercedes: uma mulher que sente a incoerência e a pluralidade num só corpo; que ora quer descobrir quem é, e ora imagina já saber a resposta; Mercedes quer o amor, o fervor oferecido pelo beijo que aquece; quer o que sempre teve e o que não teve também. Ela sabe que é isso que quer e, então, busca incansável chegar até o fim. A narrativa desta incessante procura acompanhamos (já meio confusos) à cabeceira do Divã.
Escrito por Martha Medeiros, Divã é o relato da vida de Mercedes para ela mesma. Mercedes tão convicta, tão confusa, tão mulher, tão homem, tão carente e tão autosuficiente. “Sou tantas que mal consigo me distinguir”, conta ela ao psiquiatra. “Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua... São muitas mulheres numa só, e alguns homens também”.
Mercedes também sente medo. Pensa que pode ser traída, e, por receio, não procura; sente medo de não viver intensamente sua vida; medo de deixar os dias passarem sem alterar sua rotina devidamente estabelecida. Mercedes sente medo de ser sempre a mesma e, principalmente, sente medo da paralisação, porque, como ela mesma diz: “Perigoso é a gente se aprisionar no que nos ensinaram como certo e nunca mais se libertar, correndo o risco de não saber mais viver sem manual de instruções”.
Em Divã conhecemos várias mulheres. E cada uma pode ser uma só, ou como Mercedes, ser todas ao mesmo tempo. Por isso, talvez nem todas se encontrem durante os três anos de consulta de Mercedes. Mas, num capítulo ou outro, viramos a página e lá estão também os nossos medos; as nossas angústias, loucuras e tentações. De repente você também se percebe uma Mercedes e aos poucos começa a procurar um projeto para o dia seguinte e, então, aceita o convite que há tempos um amigo lhe fazia; aceita tentar se reencontrar no meio de tantos e-mails, recados, anotações e trabalho; e descobre que a cada dia se constrói um novo momento, onde a repetição que nele acontece é de responsabilidade exclusiva nossa. Mas por hoje chega, já falei demais.


Boa leitura e até a próxima semana!

Íntima Desordem


“O que é para você estar em íntima desordem?”
Foi através desta pergunta que entrei em contato com a obra que me traz aqui esta semana. Ao responder a pergunta feita pela Revista TPM, participava de um concurso cultural em que as vencedoras levariam o livro de Mara Gabrilli. A obra (Íntima Desordem) reúne textos publicados mensalmente pela TPM, pela publicitária e psicóloga. E é preciso que se diga logo: Mara é tetraplégica e é sobre o que esta mudança ocasionou em sua vida que ela escreve. (Mas não apenas sobre isso.)
A sensibilidade da escritora em dissertar sobre um tema tão delicado e que, pensem, é sobre ela mesma, faz com que nenhum dos textos seja algo triste ou de dar pena. Antes disso, Mara consegue nos fazer perceber coisas simples. Ou melhor, a importância de que certas coisas simples assumem. Como, por exemplo, o incômodo que um pernilongo pode causar; a necessidade daquela vaga para deficiente; a importância de que regras simples de respeito sejam cumpridas e não por pena, mas por “bom senso”. Como pergunta a autora mesma: “será que um dia conseguiremos viver nas cidades brasileiras com urbanidade, respeitando qualquer pessoa?”. A pergunta da Mara é sobre as vagas privativas, sobre os banheiros com espaço para cadeirantes, mas que são ocupados por diferentes pessoas e sobre a dificuldade que pessoas com deficiência encontram para desempenhar atividades simples e que, sim, são super capazes de cumprir. Claro, se houver estrutura.
Através dos textos é possível perceber que Mara sempre lidou muito bem com a questão, mesmo quando isso significou pedir que o irmão retirasse uma caca de seu nariz. Estas pequenas dificuldades são, de acordo com o livro, o que Mara mais sentiu. Ou seja, o fato de precisarmos pedir para que outros façam aquilo que nós (sempre) fizemos. Limpar o nariz pode ser muito mais complicado que, simplesmente, não poder caminhar até o supermercado.
Fica a dica, não só do livro, mas também da reflexão sobre “quem poderia tirar a caca do teu nariz caso você não mais conseguisse”; ou, quem, ao seu lado, respeitaria a vaga para deficiente?
À propósito, a resposta à pergunta foi: Estar em íntima desordem é viver em desordem total. É ser mulher; é atropelar o relógio; é o vento que balança; o perfume que encanta; o toque que arrepia; é o sono que sonha; é o sonho que acorda; é o sorriso; o bom dia; boa noite e até mais. Estar em íntima desordem é viver o desejo, o amor e a solidão; é a lágrima, o estalar de dedos e a certeza de que no outro dia tudo estará devidamente bagunçado novamente.


Boa leitura e uma ótima semana a todos!