8.20.2008

Rota 66


A primeira resenha que me atrevi a escrever foi sobre um clássico nacional e, como não poderia ser diferente, um clássico estudado e aplaudido nas aulas de jornalismo: “Rota 66”, do jornalista Caco Barcellos, lançado em 1992 pela editora Record. Com uma narrativa contagiante, o livro aborda a atuação da polícia militar, Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar, mais conhecida como ROTA, e o seu envolvimento com o assassinato de 4.200 pessoas ocorridos entre as décadas de 1970 e 1980. Em meio a leitura, impossível não pensar (ou desejar) que se trata apenas de uma obra ficcional, mas não. A violência, a covardia e a falta de respeito aos direitos humanos relatados pelo jornalista revelam uma realidade cruel e mascarada. Uma realidade que não perdoa e não pede licença. Simplesmente, invade casas, carros, “fuscas azuis” e condena.
Ganhadora de oito prêmios de direitos humanos e do Prêmio Jabuti de Literatura, um dos mais prestigiados do país, a obra de Caco Barcellos retrata as ações do “esquadrão da morte oficial”, onde as vítimas eram quase sempre jovens pobres, pardos e negros e, em muitos casos, sem antecedentes criminais.
O livro é resultado de oito anos de pesquisa do jornalista que, entre as 350 páginas, traduz a realidade de um país violento, preconceituoso e medíocre. Não é difícil imaginar porque “Rota 66” é considerado um dos melhores livros de jornalismo investigativo do país.

Boa Leitura!

“A noção de cultura nas ciências sociais”

Quando falamos em cultura ou identidade cultural logo nos vem à cabeça um leve sentimento de confusão. Afinal, entender e explicar estes conceitos merece cuidado. A parte o senso comum, dificilmente ouvimos o conceito de cultura, por exemplo, tal como propõe alguns autores. Isto se dá por uma distorção que temos desta conceituação. Por vezes falamos, ou ouvimos falar, que “tal pessoa tem cultura”, afirmando assim a cultura como algo que se conquiste com estudo e em livros, tal como o conhecimento. Esta inversão de conceitos torna o tema ainda mais pertinente. Por isso, a dica: “A noção de cultura nas ciências sociais”, de Denis Cuche.
Conforme o autor, o conceito de cultura obteve, há algum tempo, um grande sucesso fora do círculo estreito das ciências sociais ganhando espaço em outros debates. E, para discutir cultura é necessário ter em mente seu processo dinâmico, onde ela pode ser classificada como um conjunto de significações comunicadas pelos indivíduos de um dado grupo através da interação com outro. Cuche destaca que existe uma estreita relação entre a concepção que se faz de cultura e a concepção que se tem da identidade cultural. Mas o que é esta “identidade”?
Segundo o autor, no âmbito das ciências sociais, o conceito de identidade cultural se caracteriza por sua polissemia e sua fluidez. Ou seja, suas variadas significações. A “recente moda da identidade” de que fala o autor é o prolongamento do fenômeno da exaltação da diferença que surgiu nos anos setenta e que levou tendências ideológicas muito diversas e até opostas: de um lado os que fazem apologia da sociedade multicultural e, de outro, a exaltação da idéia de “cada um por si para manter sua identidade”. Esta dualidade de conceituações leva a pensar a identidade como resultante das diversas interações entre o indivíduo e seu ambiente social, próximo ou distante. E, é através deste ambiente que o indivíduo se localiza e é localizado. Assim, “a identidade social de um indivíduo se caracteriza pelo conjunto de suas vinculações em um sistema social: vinculação a uma classe social, a uma classe de idade, a uma nação, etc”.
Pensando a cultura como algo dinâmico, suscetível a mudanças, é possível perceber que as manifestações culturais também o são. Isto é, se em determinada época alguns valores e atividades eram praticados por determinado grupo, estes podem mudar com o passar do tempo e com o contato de outros grupos. Assim, perceber fatores intrínsecos nas manifestações culturais requer avaliar de maneira detalhada dos fatores que particularizam determinados grupos, tais como a língua (linguagem), hábitos alimentares, organização social, etc.


Boa Leitura!
“Jornalismo na era virtual”


Há quem afirme que hoje as redações jornalísticas são mais silenciosas, com o uso de computadores ao invés da máquina de escrever; mais femininas e com menos fumaça, pela diminuição do número de jornalistas fumantes. Estas expressões são utilizadas para ‘distanciar’ o jornalismo atual daquele praticado no início da profissão. O chamado jornalismo de boteco, romântico ou de bico.
Este “velho jornalismo” se contrapõe ao “novo” carregado de novas tecnologias, relações de poder e, também, novos interesses. É sobre o novo e o velho jornalismo que Bernardo Kucinski trata em “Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética”.
Conforme o autor, os jornalistas eram marcados pela “vocação profissional”, também chamada de “dom”. Esta era a marca registrada dos jornalistas que, na época da ditadura militar, buscavam com fervor solidificar e valorizar a profissão. Com ou sem medo, os jornalistas ousavam e mostravam para a sociedade que os caminhos a serem seguidos poderiam ser outros que não a ditadura. O jornalismo (“romântico”?) praticado naquele período delimitou as características da profissão: ousada, irreverente e inquieta.
Segundo o autor, com a chegada da democracia, a responsabilidade atribuída aos jornalistas foi ainda maior. No entanto, ao invés da democracia abrir mais interfaces de conflito entre o jornalismo e o Estado e aumentar o espaço e a profundidade da crítica, tornou-se ainda mais superficial. Pois, os veículos de comunicação despertam interesses e aguçam a vontade de muitos em fazer parte deste grupo.
Kucinski também reflete sobre a dualidade de opiniões quanto a formação acadêmica mediante a técnica oferecida pelas redações e o conhecimento adquirido nos bancos universitários.
Existe, conforme o autor, o chamado “vazio ético” que denomina a falta de uma concepção idealista de ética, ou seja, a ética formada pelo “imperativo categórico da verdade”. Este “vazio ético” é reforçado por mecanismos diversos: a fusão mercadológica de notícia, entretenimento e consumo; a concentração de propriedade na indústria de comunicação; a crescente manipulação da informação por grupos de interesse, e, principalmente, a mentalidade pós-moderna que celebra o individualismo e o sucesso pessoal, muitas vezes caracterizado como a espetacularização da informação.
No livro, o autor também alerta para a falta de pluralismo na mídia brasileira. Esta que se diz extremamente modernista e, no entanto, ainda carrega fortes traços de conservadorismo. Onde a lógica do mercado se baseia na manipulação dos desejos e das carências individuais da população.
Para Kucinski, vivemos uma era discursiva, marcada pela negação das utopias e pela ausência de um padrão ético hegemônico. Isto é, a ética da pós-modernidade é caracterizada pelo ceticismo, cinismo, sucesso pessoal e liberdade individual. E, é por tudo isso o autor afirma: “o bom jornalista é, necessariamente, um jornalista ético, que sabe ser alérgico ao mau jornalismo e à manipulação desonesta da informação”.


Boa Leitura!
“11 de setembro”


Quem não lembra da gritaria, das feições de horror e do sentimento de desamparo deixado pelos ataques de 11 de setembro? Mais do que ataques às torres gêmeas (até então desconhecidas por muitas pessoas), o atentado de 11 de setembro mostrou à grande parte do mundo uma nação fragilizada, perplexa e atônita: os Estados Unidos da América. E, a partir destes atentados foi possível perceber também que nem só de ‘fragilidade’ vivem os Estados Unidos, mas sim de uma vasta história de repressão e autoritarismo.
“11 de setembro”, de Noam Chomsky, traz uma série de entrevistas do autor a jornalistas de diversos lugares do mundo no período de um mês após os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono. O livro apresenta uma série de entrevistas sobre a questão política, econômica, social e histórica desta nação que hoje é uma das maiores potências do globo. Segundo o autor, “as horripilantes atrocidades cometidas no 11 de setembro são algo inteiramente novo na política mundial, não em sua dimensão, mas em relação ao país atingido”.
Noam Chomski coloca que a história dos EUA é recheada de atitudes sanguinárias em relação a países subalternos em questão política, econômicas, sociais e culturais cultivadas. Por isso, os ataques após o 11 de setembro se explicam mais facilmente: eles não eram tão novidade como se imaginava. Já haviam sido praticados em outros séculos, outras décadas, outras sociedades. Assim, coloca o autor, é normal que toda a Europa em si sinta-se imensamente surpresa com os atentados. “Pela primeira vez na história moderna, a Europa e seus agregados foram vítimas, em solo pátrio, da mesma espécie de atrocidades que, rotineiramente promoveram no exterior”.


Boa Leitura!
“A sociedade do espetáculo”


Esta semana o Guia do Leitor apresenta a teoria crítica de Guy Debord à sociedade do espetáculo. Lançado em Paris no ano de 1967, o livro foi relançado no Brasil em 1997, pela editora Contraponto sob a tradução de Estela dos Santos Abreu, “A sociedade do espetáculo” traz 237 páginas de intensas e bem estruturadas críticas sobre a chamada “sociedade espetacular” e suas representações.
De maneira clara, mas não simplista, o autor coloca alguns dos fatores que transformam (transformaram) a sociedade atual em um conglomerado de pessoas sutilmente domesticadas sob um modelo dominante. Nesta sociedade a banalização e a generalização são a porta de entrada para grandes mercados comerciais que supervalorizam o lucro e as cordialidades de suas relações, lugar onde a mercadoria e a “ditadura da economia” ocupam totalmente a vida social das pessoas. A origem deste espetáculo, segundo o autor, vem da necessidade do mundo em participar de um mesmo bloco, de uma mesma organização consensual de mercado alienando comunidades inteiras em uma mesma necessidade.
Já no prefácio do livro (escrito em 30 de junho de 1992) pode-se ter uma idéia de como esta teoria crítica é apresentada: “é preciso ler este livro tendo em mente que ele foi escrito com
o intuito deliberado de perturbar a sociedade espetacular. Não exagerou em nada”. 
Boa Leitura!
“Cercas e janelas”


Esta semana apresento traz uma coletânea de artigos, ensaios e discursos sobre globalização. “Cercas e janelas: na linha de frente do debate sobre globalização”, de Naomi Klein, retrata inúmeras situações vivenciadas por militantes de todo o mundo contrários não, simplesmente, a globalização, mas à maneira como as propostas desta ideologia são aplicadas em diferentes sociedades.
Lançado em 2003 pela editora Record e traduzido por Ryta Vinagre, “Cercas e anelas” é, segundo a própria autora, um registro de seu aprendizado sobre o futuro da economia global e suas implicações não apenas econômicas, mas, principalmente, sociais.
No total, são 42 artigos, ensaios e discursos divididos em cinco capítulos: “Janelas da discordância”, “Cercas na democracia”, “O mercado engole o bem comum”, “Cercas no movimento: criminalizando a dissidência”, “Tirando proveito do terror” e “Janelas para a democracia”.
São textos escritos para The Globe and Mail, The Guardian, The Los Angeles Times e muitos outros jornais. Naomi Klein, afirma que este livro é o registro de “um importante começo” na vida do movimento antiglobalização que explodiu em Seattle e que evoluiu através dos acontecimentos de 11 de setembro e suas conseqüências. Com as inúmeras experiências apontadas no livro, é possível ter uma nítida noção da atual conjuntura sócia-política e econômica de países desenvolvidos e também em desenvolvimento.
Naomi Klein é canadense, autora do best seller “Sem logo”.
Boa Leitura!
“Oroonoko”


“Cézar, morto de dor, mas feliz com a nobre determinação de Imoinda, abraçou-a tomado pela paixão e pela languidez de um amante prestes a morrer, sacou de sua faca para dar fim a este prazer de seus olhos, a este tesouro de sua alma”.
Escrito em 1688 por Aphra Behn, “Oroonoko ou o escravo real: uma história verdadeira” foi traduzido por Évilo Antônio Funk e relançado em 1999 pela Editora Mulheres.
Romance da literatura inglesa, “Oronooko” revela uma história que, segundo a autora, é fidedigna a realidade dos fatos acontecidos na época. História protagonizada por um africano escravizado e levado ao Suriname durante a década de 1660. Nas palavras da própria autora, “Oroonoko e sua amada representam a mais absoluta idéia do primitivo estado de inocência, antes que o homem tenha aprendido a pecar”, e é toda a trajetória deste amor que pode ser vista, imaginada e sentida neste curto romance escrito a, aproximadamente, 300 anos.
A obra foi inspirada nas viagens realizadas pela autora às colônias sul-americanas, que, além de descrever com detalhes lances deste amor, abordou situações de desumanidade e sadismo praticados com os escravos (africanos e índios) da época.
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“Os Catadores de Conchas”


Um romance que emociona e seduz o leitor tornando-o parte da história. Assim é “Os Catadores de Conchas” de Rosamunde Pilcher. Lançado em 1988, na Inglaterra, com a tradução de Laísa Ibañez pela editora Bertrand Brasil, ocupa hoje um dos principais lugares na lista dos mais vendidos.
Em meio à leitura é possível sentir o cheiro das flores, o gosto das comidas, escutar o barulho das bombas caindo, sentir a lágrima escorrer. A cada página é possível conhecer e delirar com a vida dos personagens. Pessoas que vêem suas vidas moldadas pela Segunda Grande Guerra e que, ao fim da leitura, deixam saudade.
Ao longo das 632 páginas conhecemos Penélope: uma mulher rodeada de amigos e lembranças. Filha de um grande pintor vitoriano e mãe de três filhos. E, é através dela que podemos conhecer tantas outras pessoas que fazem desta história fascinante, encantadora e surpreendente.
Rosamunde Pilcher tem o poder de fazer com que o leitor se sinta cercado por toda beleza descrita no livro. O desenvolvimento de seus personagens é tão bem elaborado que se torna impossível deixar o livro pela metade.
“Os Catadores de Conchas” é a 13° obra da autora que teve seu primeiro livro publicado em 1949 - Half-way to the Moon -, com o pseudônimo de Jane Fraser. Com este nome, a autora assinou outros 10 livros. Sua primeira obra com o verdadeiro nome foi A Secret to Tell, publicado em 1955.
Dentre outros títulos da autora estão: “Flores na Chuva”, “Sob o Signo de Gêmeos”, “A Casa Vazia”, “O Fim do Verão”, “Um Encontro Inesperado”, “O Regresso”, “Com Todo o Amor” e “O dia da Tempestade”.
Boa Leitura!
“Que corpo é esse?”


“As conceituações do corpo através da história da humanidade nos revelam características importantes do pensamento filosófico, que sempre privilegiou a mente em detrimento do corpo. [...] Durante a vida, mente e corpo formam uma unidade indissolúvel que, com a morte, é rompida, tendo a alma sua imortalidade garantida enquanto o corpo vira pó”. Mas “Que corpo é esse”?
Lançado pela Editora Mulheres em 2007 e escrito por Elódia Xavier, “Que corpo é esse? O corpo no imaginário feminino” traz vários textos produzidos desde o início do século XX até hoje. Através de narrativas de diferentes autoras, o livro contextualiza as representações do corpo feminino. Um corpo que pode ser invisível, subalterno, disciplinado, envelhecido, imobilizado, refletido, violento degradado, erotizado e liberado.
Em cada texto escolhido por Elódia Xavier é possível perceber as características destes diversos corpos em mulheres distintas. Características que por vezes revoltam, chocam, emocionam e aproximam mulheres de todos os tipos. Indiferente do motivo que leva uma ou outra a se encaixar em qualquer das categorias elaboradas, todas são mulheres que, em algum momento, padeceram em silêncio. Mulheres que por alguns instantes, obedeceram a regras sem sentir, sem desejar e, muitas vezes, sem ao menos perceber.
As autoras escolhidas por Elódia Xavier são: Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Fernanda Young, Helena Parente Cunha, Heloísa Seixas, Júlia Lopes de Almeida, Lya Luft, Lygia Fagundes Telles, Márcia Denser, Marilene Felinto, Marina Colasanti, Martha Medeiros, Nélida Piñon, Raquel de Queiroz, Rachel Jardim e Wanda Fabian.
“Ser mulher, desejar outra alma pura e alada para poder, com ela, o infinito transpor; sentir a vida triste, insípida, isolada; buscar um companheiro e encontrar um senhor... Ser mulher, e oh! Ficar na vida qual uma águia inerte, presa nos pesados grilhões dos preceitos sociais!” (Gilka Machado).

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