8.20.2008

Memórias de minhas putas tristes


Aniversários geralmente são dias de festas, presentes e muita alegria. Geralmente! Há também os aniversários carregados de nostalgia, desassossego, inquietude e, às vezes, frustração. Cada um concebe este dia de formas bem particulares, ou conforme o estado de espírito em que se encontra. Agora, multipliquem estes presentes, estas festas, a nostalgia e a frustração por noventa anos. É isso que faz o célebre Gabriel García Márquez em “Memória de minhas putas tristes”.
“Também a moral é uma questão de tempo”, alerta o autor ao narrar a primeira (e única?) história de amor do cronista e professor aposentado. Este que, no dia do seu aniversário de 90 anos, resolve se dar de presente uma noite extasiante com uma virgem. Foi a partir do insólito telefonema à velha conhecida Rosa Cabarcas que surge uma nova vida “numa idade em que a maioria dos mortais está morta”. E, após acertadas algumas formalidades, só restava esperar que a noite chegasse para degustar. Surgia com a noite um desejo cada vez mais intenso e perigoso. O encontro aconteceu. Ela dormindo, ele trêmulo pelo desejo de vê-la ali, desprotegida e pura. Na memória, ficou aquele corpo transpirando desejo e sedução. No corpo a sensação de “quero mais”.
Levado por um princípio que nem ele mesmo consegue explicar, este ‘senhor’ nunca se deixou apaixonar. Nunca se permitiu sentir aquela ansiedade antes de algum encontro, as noites mal dormidas pensando no outro, os desejos e a inquietude que só o amor consegue fazer. A isso ele nunca se entregou, até o dia em que conheceu Delgaldina. O fruto vivo da imaginação. Lá estava ela desde o seu aniversário, sempre a espera. De olhos fechados e corpo a mostra. Perfeita amante!
O desejo dessa conquista traz cor ao mundo criado por Gabriel García Márquez, que lembra sem perdão: “os fatos reais são esquecidos, mas também alguns que nunca aconteceram podem estar na lembrança como se tivessem acontecido”. E, assim, como algo incerto, Degaldina transforma este velho amante. Sem palavra alguma, nem mesmo uma carícia, provoca o nascimento de um outro homem.
Degaldina o fez perceber que “o sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança”. Ah! O amor! Sentimento capaz de nos revelar um mundo cheio de graças, delicadezas e também ciúmes. Amor impalpável e desconhecido. Amor capaz de criar personagens e colocá-los em nosso caminho sem consulta prévia. É sobre esse amor que o autor nos diz: “por mais que lidemos com esse sentimento como se fosse um paletó dois números acima do nosso, apenas ele e tão somente ele, o amor, nos faz humanos”.
E, não importa a idade que tenhamos, o amor se aconchega ao nosso lado e fica. Fica a espera de um minuto de atenção, um momento em que possamos perceber tantos “perfeitos amantes” dispersos e sozinhos pelo mundo. Talvez, não seja preciso esperar nossos 90 anos, mas se assim tiver que ser que seja sem pudor.

Boa Leitura!
“A gorda do Tiki Bar”

Provavelmente muitos leitores, assim como eu, já riram sozinhos enquanto se deliciavam com algum livro, indiferente do lugar onde a leitura era feita. Mas, quem destes leitores já sentiram a face esquentar, ocasionando o temido e inconveniente rubor por ler algum livro “excitante”?
Para aqueles que não experimentaram esta situação e não perdem uma boa oportunidade a dica é “A Gorda do Tiki Bar”, de Dalton Trevisan. Uma série de contos carregados de amor, desejo e erotismo. Sem meias palavras o autor descreve sentimentos provocantes e sedutores; pensamentos ousados e peculiares.
São histórias vividas por pessoas com diferentes idades, diferentes profissões e diferentes desejos. Mas, estas pessoas são ligadas por uma mesma intenção: aproveitar vontades que surgem sem hora certa ou lugar adequado. Afinal, desejo que é desejo não pede permissão, nem autorização para chegar. É este desejo louco e destemido que Dalton Trevisan descreve de maneira caricata e extasiante. E quando menos percebemos, lá estamos nós com as mãos nas bochechas tentando disfarçar a mudança de cor.
O livro é capaz de levar a pensar se para viver é necessário fazer algumas loucuras, conhecer muitas pessoas, ou simplesmente imaginá-las da maneira que bem entendemos, sem peso na consciência. Estas inquietações, da maneira como são descritas pelo autor, revelam um sentimento impregnado nos pensamentos de cada indivíduo que varia apenas na maneira como são manifestados. Pela perspectiva presente no livro, um dia ou outro este sentimento aparece voraz, tentador e insaciável, tal como surgiu na vida dos personagens.
E, como se o autor estivesse atento ao nosso “deslize” no exato momento em que nos deleitamos num desejo pervertido e louco, as cenas são descritas sem censura. Para não deixar dúvida. O livro é objetivo, claro e direto. É essa característica do autor que faz a obra se diferenciar. Quando pensamos que o autor vai fantasiar uma cena ele chega de supetão e pronto. Está tudo ali, descrito nas páginas e seguidas de algumas ilustrações. Não importa se com a professora, com a bela menina de 15 anos ou mesmo com a Gorda do Tiki Bar. De alguma maneira e em algum momento esse desejo surge em cada um, basta o sentir.
Para aqueles que aceitam um desafio fica a dica. E, se preferirem, deguste o livro em pequenos goles, assim despertará ainda mais a imaginação e garantirá por mais dias avantajados rubores.

Boa Leitura!
“Pequenos delitos e outras crônicas”

Nada de romance, nem tragédia. Esta semana o Guia do Leitor traz o bom humor em primeiro lugar com “Pequenos delitos e outras crônicas”, de Walcyr Carrasco.
O livro é a resultado da junção de 66 crônicas publicadas pela revista Veja São Paulo (2004) e fazem um apanhado geral do cotidiano. Desde o “truque do assaltante” ao “turista de imobiliária”, ou de “promessas angelicais” aos “pequenos delitos” cometidos diariamente por todo cidadão que se preze. É essa característica, de tratar de coisas simples do dia-a-dia (como faxinas, compras em supermercados, um final de semana com amigos, dar ou não gorjeta, etc) que fazem do livro encantador e divertidíssimo.
“A imaginação ainda é a melhor arma para enfrentar as dificuldades da vida moderna”, coloca Carrasco. E, é através dessa imaginação que o autor nos faz pensar e ilustrar cada ação, cada passo, cada atitude descrita. Em tom irônico, ou com um toque de nostalgia e muito sarcasmo, Carrasco revela um mundo de comédia em cada tragédia.
“Surrupiar um queijinho no supermercado parece não ter sequer importância. Mas os pequenos delitos, quando somados, tornam a vida na cidade grande ainda mais selvagem”.

“Pornopolítica”

Quem não sente saudade de um tempo que às vezes parece remoto? Ou quem não lembra com carinho das coisas vividas no passado? Lá, no tempo que ficou, tudo parece perfeito. Algumas falhas até podem ser percebidas, mas ahhh o passado, “esse não volta mais”.... E, é relembrando o passado que Arnaldo Jabor se mostra nostálgico e sem esperança com o presente e futuro (se é que ainda sonhamos com algum) em Pornopolítica: paixões e taras na vida brasileira, lançado pela editora Objetiva em 2006.
Ao falar da extraordinária capacidade humana de absolver atrocidades e, ao mesmo tempo, atear fogo em bruxas em plena praça pública, Jabor comenta, na crônica “Uma noite de sexo que mudou o Ocidente”, o caso de Bill Clinton e a estagiária Monica Lewinsk. A resposta (moralista e conservadora) que o acontecimento teve se contrapõe ao silêncio (quase sagrado) frente às atrocidades e loucuras de Bush. E, é esta espantosa divergência de reações tidas pelo ser humano que choca e 'paralisa' Jabor.
Assim, sem papas na língua, Arnaldo Jabor nos deixa estarrecido com sua imensa capacidade de falar aquilo que estávamos pensando, mas que por algum motivo não nos dispusemos. Tal como a frase: “A gente só vai para o céu que acredita”, ou “A derrota é um grande momento de verdade. Só diante da vergonha que entendemos nossa miséria. Num primeiro momento, queremos encontrar uma explicação para o fracasso, mas o fracasso não se improvisa – é uma obra calculada, caprichada durante meses, anos até”.
Não importa se falando de futebol, a saudade de um futuro planejado e que não chegou, ou da horrenda situação política do país, Jabor se coloca estarrecido, tal como no trecho abaixo:
“A crise nos ensina a ver a verdade de cabeça para baixo. Ensina que a verdade é o contrário de tudo que dizem os depoentes, testemunhas e réus. A verdade é tudo que os políticos negam”.

“O linchamento”

“O Linchamento - que muitos querem esquecer”, lançado no ano de 2003, revisado e ampliado em 2007 pela editora Argos, apresenta a história de uma cidade que, de um lado, tinha 200 pessoas clamando por “justiça” e pela preservação de seus valores e, de outro, quatro homens a espera de uma única decisão, sem direito a resposta, nem ao menos a defesa.
Escrito por Monica Hass, “O Linchamento” narra a história oficial e, também, a história não-oficial sobre o linchamento (espancamento e morte) de quatro homens na cidade de Chapecó no ano de 1950.
Presos por perturbar a tranqüilidade da então pacata cidade e por atear fogo à Igreja local, Ivo de Oliveira Paim e Romano Ruani, juntamente com os irmãos Orlando e Armando Lima, foram condenados não pelo poder judicial e seus representantes, mas pela população local. Segundo a autora, existia entre os moradores “uma predisposição em fazer justiça com as próprias mãos”, pois assim acreditavam defender os padrões comportamentais e normativos até então estabelecidos e, por isso, classificaram (e muitos ainda classificam) como “justo o crime cometido”.
Na noite de 18 de outubro, Chapecó se fez conhecer nacionalmente por meio de um ato vergonhoso de violência. Organizado por um grupo de pessoas, os chapecoenses invadiram a prisão local e, com golpes de paus, facadas e tiros, mataram os quatro homens presos. Depois, os arrastaram para fora da cadeia e atearam fogo nos corpos estendidos ao chão.
Este ato até hoje é pouco comentado na cidade. Seja por vergonha de algumas pessoas ou pelo fato de envolver figuras de nomes conhecidos e importantes. É também por isso, que a obra de Monica Hass se torna ainda mais contagiante e estarrecedora. Este é um livro que choca e revolta muitos dos seus leitores, principalmente porque o fato narrado aconteceu aqui, na cidade de Chapecó.
Conforme trechos do livro, “as motivações de um linchamento, quando as pessoas, carregadas de ódio ou medo punem com suas próprias mãos, sem que a vítima tenha oportunidade de provar sua inocência, são difíceis de compreender, ainda mais com o envolvimento de tantas questões, como no caso de Chapecó”.


Boa leitura!

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