6.23.2009

Os funerais de mamãe grande


Quem já não tentou lembrar de algo extremamente importante, sem sucesso, mas que, sem querer, manteve na ponta da língua uma música que sequer suportava? É... coisas dessa máquina humana que ainda carecem de maiores explicações cabíveis ao senso comum. Afinal, todos temos memória, isso é certo! Uns, mais aguçada (a chamada de “elefante”), outros mais relapsa, mas todos a temos sobre inúmeras coisas e fatos absorvidos diariamente. Essa memória por vezes parece encher-se e, cheios mesmo, nos sentimos quando ansiamos por falar de algo e este escapa como se nunca o tivéssemos conhecido. Isso acontece porque nossa memória se retroalimenta; não consegue manter tudo a postos a qualquer chamado do cérebro; assim, as informações recebidas ficam armazenadas em uma parte de nossa mente à espera de que sejam utilizadas, mesmo que pareçam esquecidas. Todo esse processo se deflagra graças à imensidade de informações recebidas.
Entretanto, mais do que lembrar ou esquecer de datas, convites, nomes de livro, músicas, senhas e afins, a palavra memória tem um caráter de significar algo de importância (para alguém ou de alguma coisa). E, humanos que somos, nos apropriamos de uma vaidade que nos leva a pensar em sermos (em algum momento) lembrados e que estamos presentes na memória viva de outra pessoa sendo, assim, “importantes”. Nem sequer colocamos o assunto muito à prova: apenas imaginamos que somos “lembrados” e pronto, ego alimentado! No entanto, quando acometidos por um acesso de modéstia, nos percebemos recebendo alguma crítica (ou qualquer coisa do gênero) sobre algo que sequer lembrávamos de ter feito, bom, aí é, como dizem, “mara”! Porém, muitas vezes essa lembrança vem, apenas, acompanhada do silêncio imposto pela morte e aí nada de vaidades ao defunto. Até porque, nem um “muito obrigada” este poderá lhe oferecer. Mesmo assim, como se esquecêssemos deste pequeno detalhe intermitente da morte, criamos (fortalecemos) o hábito de lembrar e honrar certas pessoas apenas quando elas “se foram”; quando não fazem mais parte do mundo da matéria e ficam somente na lembrança, disputando um espaço melhor intencionado em nossas cabeças. É dessa memória que nos fala Gabriel García Márquez, em “Os funerais de Mamãe Grande”.
Em uma história de lutas, como foi a antiga Macondo, com heróis falidos, calor escaldante, a sombra das amendoeiras, as crendices, hábitos e lendas, característicos intrínsecos à cultura de países da América Latina, o autor colombiano nos leva até o povoado em que se passa a narrativa e nos coloca de frente à Mamãe Grande. São oito crônicas reunidas e no centro delas um funeral. Não qualquer funeral, mas sim destes de, realmente, ficar na memória; com a presença de autoridades políticas, pontífices e os mais altos escalões que um universo criado por Márquez é capaz de compor.
Mamãe Grande ansiava por viver até os cem anos, não pode. E não poderia, também, ter imaginado tamanha aclamação ao seu desgastado corpo embalsamado que, por mais de 48 horas, recebia congratulações e palavras de conforto (coisas das quais são comuns em momentos como este). Ao se despedir de Mamãe Grande, Macondo se despedia (aliviada?), também de uma parte de sua história que, a partir daquele corpo estendido, passava a ficar no passado e que, talvez, até fosse esquecido, mas estabelecia algo como uma linha do tempo sob os olhos atentos dos urubus.


Boa leitura!

2 comentários:

Unknown disse...

Excelente resenha!

Anônimo disse...

Acabei de ler "A má hora" dele, esse é o meu próximo! Amei a resenha!