10.26.2010

O gerente

Passeava pela livraria e buscava entre os autores já conhecidos algum título que, no momento, despertasse a minha atenção. Na segunda olhadela desisti e optei por este livro que vos segue: “O gerente”, de Carlos Drumond de Andrade. Com a primeira versão publicada ainda em 1945, com ilustrações de J. Moraes, “O gerente” de agora vem revisado, de acordo com o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, e apresenta ilustrações do argentino Alfredo Benavidez Bedoya.
Trata-se de um conto. O conto que traz um Rio de Janeiro modesto, tranquilo e seguro. É nesta cidade que conhecemos Samuel, o gerente em questão, que a exemplo de muitos outros brasileiros conquista seu espaço profissional com trabalho sério e dedicado.
Um homem que tinha tudo para ser um bom marido, mas que se descobre incapaz de tal ato. Reclusa-se a viver sozinho, numa rotina de galanteios, coquetéis, jantares, bailes e comemorações. Samuel revela-se uma figura amorosa, respeitável e coerente. No entanto, como coerência não garante estabilidade, casos estranhos passam a acontecer e, de repente, este mesmo homem passa a ser julgado pelo crime das dentadas. Um tanto antropofágico, o conto revela um caso de pequeno mistério. Nem raiva, nem rancor, nem desprezo. Apenas mistério, incredulidade e alguma desconfiança. Seria, Samuel, capaz de tal audácia? Para que tamanha ousadia?
Nem o conto, nem Samuel, nem Carlos Drumond de Andrade respondem tais perguntas. E talvez seja esta uma das intenções da obra: deixar a bola picando. É o pensamento que ora é isso, ora é aquilo; os devaneios; a ideia que não chega a ter um fim e se perde no meio de outra que surge; é o conto; a literatura; o hábito de não por um ponto final em tudo. É a vida sob outra perspectiva: sem exatidões, respostas ou resultado final. É a vida inconstante, surpreendente e inquietante. É o Samuel, é você é cada um ao mesmo tempo fazendo tudo diferente.
E sobre o causo, ficou assim. Samuel partir para São Paulo. Fazia muito calor no Rio e o gim já não bastava mais. Mas as dentadas...

Boa leitura!

Esquisita como Eu

Sabe aquele dia em que você acorda e tudo parece meio devagar? O telefone não toca, o e-mail não chega, nem sol, nem chuva, nem nada. Nada além do que já estamos acostumados a receber e esperar. Dias assim têm mais características em comum: demoram para passar, geralmente caem na segunda-feira e, a melhor de todas, parecem não acontecer com os outros.
Essa última, suponho, acontece porque insistimos em pensar que tudo (quando é ruim) só acontece conosco. Dessa forma supomos que os outros (felizes e sorridentes) nunca tenham tido tamanha experiência.
É assim quando olhamos para nós... e quando olhamos para os outros: sempre traçamos comparações. E, comparando esta obra (“Esquisita como Eu”) com as demais da autora (Martha Medeiros) impossível não sentir a diferença.
Em sua estreia na literatura infantil, a cronista gaúcha lança palavras que, de letra em letra, se constituem numa breve explanação sobre um pouco disso que falávamos: ser igual, ser diferente. Marta apresenta as esquisitices de sua personagem e ao falar dela, fala das esquisitices de todos os outros também, ora por serem iguais, ora por serem diferentes. Ou um, ou outro. Talvez nenhum ou todos.
Ilustrado por Laura Castilhos, o livro apresenta o colorido, o inexato e o inesperado de cada sujeito frente a esquisitice dos outros, sejam eles crianças, adultos ou adultos que desejam ser para sempre pequenos (ou pequenos que quando crescerem querem pensar menos, ter problemas pequenos, apenas com tempo para seu gato e cachorro). A parte isso, as comparações servem apenas para evidenciar algo que já estamos fartos de saber: que somos diferentes e que pela diferença vivemos. Do contrário, seria uma baita monotonia. Certa está a personagem de Martha Medeiros em ver suas próprias esquisitices frente a “igualdade” dos outros. O exercício mostra que assim parecemos mais autênticos, como as crianças.

Boa leitura!

A doce revolucionária!

Quando se trabalha com arte, música, literatura e suas diversas possibilidades de produção de conteúdo, a citação “nasceu mais um filho” é comumente utilizada. Isso porque a cada resultado de trabalho, a cada exposição, a cada disco gravado, livro publicado, música composta, entre outros, é empregada muita energia, mas muita mesmo. Noites em claro, viagens adiadas, lazer protelado, tudo por um “gran finale”.
É com a expressão de quem tem o dever cumprido que Torres Pereira chega à redação onde trabalho e me entrega o seu mais recente “filho”. Um filho querido.
Um filho que, justamente, se espelha em uma criança para apresentar a sua ideia; que vê na pequena Naiê um bom exemplo de boas ações e atitudes; e que, principalmente, crê num futuro melhor.
O livro apresentado pelo escritor português se chama “A doce revolucionária” e se passa no interior de uma escola. Neste ambiente conhecemos a adolescente (já apresentada como Naiê) que dá luz à história. E, como não poderia ser diferente, a protagonista o é por desempenhar um papel de destaque nos episódios que constroem a narrativa. Naiê o consegue porque resolve não ficar de braços cruzados frente a questões simples, que fazem da vida mais tranquila e que competem a qualquer cidadão.
Um exemplo? Cuidar para que não se jogue lixo pelo chão. Pode parecer repetitivo, taxativo e, até, “conversa para boi dormir”. Mas Naiê não pensa assim e resolve lutar por ambientes onde cada pessoa jogue o seu lixo no devido lugar.
Esta é apenas uma dentre as tantas situações apresentadas na obra de Torres. Questões que vão além do simples ato de saber “aonde jogar o lixo”, mas que falam sobre educação, respeito, noção de cidadania e humanismo. Coisas que fazem falta a qualquer um durante toda a vida, não importa se adulto, criança ou adolescente. Coisas que, muitas vezes, só as crianças são capazes de perceber (e fazer) e das quais não viveríamos sem.

Boa leitura e até a próxima semana!

O menino no espelho

Já escrevi neste espaço o quão agradável é a surpresa de pegar um livro (com ou sem referências) e com ele passar algumas boas horas. Não há palavra que resuma a sensação de se perceber sorrindo sozinho com alguma façanha de determinado personagem, chorando com a realidade de outros ou mesmo voltando ao passado para relembrar um momento por nós vivido e que é mencionado na obra. A proeza que conseguem os escritores quando chegam a este ponto deve, portanto, ser reverenciada. Então, nesta semana, o “salve” vai para Fernando Sabino e “O menino no espelho”.
O livro que é, em boa parte, a história do próprio autor, aliada à narrativa das peripécias vividas por Fernando (o menino protagonista), conduzem a boas risadas. Pelo menos a mim o efeito foi esse. Não resisti quando Fernando ao chegar em casa se deparou com uma galinha no quintal, deu a ela o nome de Fernanda, ensinou-a a falar e, depois, passou a pensar num plano infalível para evitar que ela se transformasse no cardápio de sábado (frango ao molho pardo). Fernando precisou contar com a sorte e a astúcia que só as crianças têm e, claro, com o “jogo de cintura” da galinha, digo, da Fernanda. Também não resisti quando Fernando (também chamado de agente Odnanref), a agente Anairam, o agente Pastoff e o agente Hindemburgo (totalizando: um casal de brasileiros, um russo e um alemão), formavam o Departamento Especial de Investigações e Espionagem Olho de Gato e através dela descobriam tramas horripilantes com muita coragem e perspicácia.
Seja na espionagem, na educação da galinha, desculpem, Fernanda, quanto no dia que Fernando voou, Fernando Sabino deixa rastros de uma boa memória e uma ótima imaginação. Impossível, também, não protelar o término do livro. Eu, confesso, adiei o que pude. Até o meu prazo de “trabalho” estourar. Mas, chega um momento que não adianta, você cresce, já não cultiva sociedades secretas, não brinca mais na chuva, nem vê o reflexo saindo do espelho para tomar aquele remédio com gosto horrível. Chega uma hora em que é preciso dizer apenas que o livro é muito bom e que nada supera a infância. Como disse, muito bem, o autor: “quando eu era menino, os mais velhos perguntavam: - O que você vai ser quando crescer? Hoje não me perguntam mais. Se perguntasse, eu diria que quero ser menino”. Essa é a ideia de todo o livro: simples como são as crianças! E por isso mesmo, encantadora!


Boa leitura e até a próxima semana!

9.09.2010

Saramago, biografia!


Antes de qualquer palavra é preciso que eu peça desculpas, pois de maneira alguma conseguirei, nesta coluna, dar conta do papel a que me propus já faz algum tempo: resenhar sobre um livro. Impossível porque escolho, de maneira egoísta, uma obra da qual retiro imensa satisfação e que trata de um dos melhores autores de todos os tempos.
A biografia de José Saramago, escrita por João Marques Lopes, me chamou a atenção, em primeiro, pela capa. Nela, um homem velho segura seus óculos e escora, pensativo, o queixo em uma das mãos. Um homem que nasceu numa época de guerra, miséria e analfabetismo. O homem da capa carrega um olhar triste e, talvez, cansado. Um olhar de Saramago.
Criador de um estilo único de linguagem (o saramaguiano), autor de livros célebres, prêmio Nobel em 1998, comunista e inconformado desde sempre, José Saramago desafiou seu destino e, como diz o dito popular, “mostrou a que veio”. E como mostrou.
Sua primeira obra, de 1947, chama-se Terra do pecado e rendeu pouquíssimas edições. Depois dela vieram Poemas possíveis, A bagagem do viajante, O ano de 1993, Levantado do chão (obra que marca o início do estilo saramaguiano de contar história – com parágrafos longuíssimos, pontuação escassa, detalhismo e criatividade em abundância), Que farei com este livro?, Viagem a Portugal, Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis (o “Pessoa” que Saramago demorou a descobrir), A jangada de pedra (que surgiu após uma conversa despropositada com a jornalista brasileira Cremilda Medina), A segunda vida de Francisco de Assis (sobre o seu irmão que morreu aos dois anos de idade com broncopneumonia), História do Cerco de Lisboa, O evangelho segundo Jesus Cristo (polêmica obra que fez o governo português e igreja católica refutarem a posição do autor. Após este período Saramago se “auto exila” na ilha de Lanzarote), Ensaio sobre a cegueira (livro que o próprio autor pensou não ser capaz de sobreviver), Todos os nomes, A caverna, O homem duplicado, Ensaio sobre a lucidez, As intermitências da morte, A viagem do elefante, Caim (último romance do autor), Cadernos de Lanzarote (com cinco publicações), O Caderno (publicação dos textos disponíveis no blog do autor), para citar apenas alguns. A lista de livros só não é maior que o legado por ele deixado.
Por fim (e eu havia avisado que seria pouco o espaço), um dos maiores autores de todos os tempos, é oriundo de uma família analfabeta, em que o único curso que fez foi o de cerrilheiro mecânico e que nem Saramago deveria se chamar. O erro, do funcionário que o registrara, foi um dos tantos que o autor aprendeu a enfrentar. Assim como aprendeu sobre a desigualdade social, o preconceito, a violência e a pobreza. Assim como aprendeu sobre os cegos que mesmo vendo, não veem. Destes, Saramago já nos avisou, da maneira mais original possível. De uma forma que só um grande homem, mesmo com olhar pensativo e cansado, consegue.

Boa leitura e até a próxima semana!

De repente, nas profundezas do bosque



Ler histórias infantis sempre nos faz refletir um pouco mais sobre a maneira como conduzimos nossas atividades, seja no trabalho ou em casa, com a família. Nos faz parar para pensar sobre o que elencamos como vital em nosso cotidiano e, por estas características, se tornam histórias encantadoras.
O livro (infantil) desta semana, em primeiro lugar, me despertou três perguntinhas, são elas: quem nunca quis fugir? Sair pela porta da frente e nunca mais voltar. Deixar os problemas financeiros de lado; a conversa inacabada de outro e seguir, sem rumo, pensando apenas no próximo caminho? Quantas vezes nos deixamos abater por opiniões de terceiros e passamos a ser influenciados por pessoas que se julgam melhores e superiores? E, por fim, quantas vezes desejamos voltar a ser crianças para deixar de lado os compromissos, obrigações, negociatas e decisões?
O mundo das crianças, referenciado por muitos adultos como algo quase utópico, revela um universo onde só coisas boas acontecem. No entanto, como contentar-se não é um verbo muito em uso pelo ser humano, quando crianças desejamos logo sermos adultos para, então, fazermos nossas próprias escolhas, decidirmos a roupa e o brinquedo que queremos comprar, escolhermos o canal de TV, sem ninguém reclamar, etcétera. No entanto, apesar desta divergência de vontades e anseios, algumas pessoas (adultas e crianças) parecem sempre conter um segredo que lhes fazem ser mais feliz. Segredo como o de Maia e Mati, duas crianças de um pequeno vilarejo criado por Amós Oz.
O pequeno vilarejo onde vivem passou, há algum tempo, por uma espécie de maldição. Maia e Mati só ouviram falar deste período (onde existiam animais de todas as espécies, desde aves, répteis, peixes) e, aos poucos, vão entendendo que segredo é esse. Mas, como cita o autor, “acontecem aqueles momentos em que todos nós sem exceção, nos assustamos e ficamos apavorados, às vezes ficamos cansados, ou com fome; momentos em que nos empenhamos muito para que fique tudo bem, não muito quente nem frio” e, nesses momentos, nos igualamos a qualquer outra espécie, nos igualamos a qualquer coisa, indiferente do que fazemos, da nossa idade ou da nossa condição social. Pois “todos nós, sem exceção, tentamos a maior parte do tempo nos preservar e nos guardar de tudo o que corta, morde e fura”. Ou seja, todos nós temos apenas um interesse: se preservar.
Porém, esta é só uma história infantil e você, provavelmente, esteja abarrotado de trabalho, sem tempo para este tipo de conversa.

Boa leitura e até a próxima semana!

8.12.2010

Chapatis e dosas


Na semana passada trazíamos à tona o livro “O que é etnocentrismo”, de Everardo Rocha, e com ele a definição do que esta terminologia significa nas atividades que desenvolvemos cotidianamente. Sabendo, então, que ser etnocêntrico é assumir uma visão do mundo “onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos e nossas definições do que é existência”, podemos imaginar (ou entender) o quão é difícil para alguns aceitarem a existência de culturas e modos de vida diferentes; e também, como é difícil viver na diferença.
É com olhos na harmonia entre estes dois extremos que, nesta edição do Folha do Alto Irani, apresentamos o livro “Chapatis e dosas - meus dias na Índia”, de Stefânia Forner (2006). A obra, da autora chapecoense, não trata sobre conceituações do que é etnocentrismo, mas aborda a dificuldade em conviver com uma cultura tão diferente (pelo menos aos nossos olhos), como a indiana.
O livro é, em suma, um diário. Um diário da farmacêutica que foi à Índia com a intenção de estudar e desenvolver projetos na área de HIV/Aids com crianças e adolescentes sem teto ou que vivem na rua. No entanto, suas atividades foram além destas intenções e como resultado temos a obra em questão.
Embora a Índia possua uma próspera indústria farmacêutica e seja a maior produtora dos medicamentos genéricos para o tratamento de HIV/Aids vendidos no mundo, a terapia antirretroviral não é fornecida gratuitamente a todos os cidadãos diagnosticados com o vírus. Nos grupos estudados pela autora/pesquisadora (36 meninos de 12 a 19 anos e 30 meninas de nove a 18 anos), a maioria tem pouco ou nenhum conhecimento sobre uma doença quer pode ser fatal, se não for tratada adequadamente. E, num país com cerca de dois milhões de infectados esta não-informação é vital para a proliferação do vírus.
Tendo como ponto de partida estes números, podemos conhecer uma “outra” Índia que não aquela das iguarias e especiarias. Conhecemos uma realidade de escravidão, pobreza, prostituição, tráfico de drogas e de órgãos. Um país em que poderemos, como cita a própria autora, odiar e amar no mesmo instante, mas que devemos, sobretudo, respeitar. Um respeito que tenha, em primeiro lugar, noção de humanidade e qualidade de vida.


Boa leitura e até a próxima semana!

O que é étnocentrismo?


“É uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência”.
A resposta para a pergunta que intitula o livro “O que é etnocentrismo” é de Everardo Rocha. Formado em Comunicação Social, com mestrado e doutorado em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ, Everardo apresenta a definição para o termo “etnocentrismo”. Que, de acordo com o autor, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença, reagirmos com estranheza, medo e hostilidade ao que é diferente.
Sob a perspectiva etnocêntrica existem grupos: o “meu” e o “outro”. O meu é o conhecido, que compreendo, interajo e me relaciono. O “outro” é, por sua vez, é o diferente e, por isso, assusta e gera incompreensão. Um exemplo elucidado pelo autor e que deixa ainda mais clara estas definições é a estória dos de um pastor que, após longo tempo de preparação, foi pregar junto a povos selvagens. Na chegada, este pastor entregou inúmeros presentes que havia comprado. Mesmo após distribuí-lo um índio pediu incansavelmente pelo seu relógio. O pastor, meio a contragosto, deu então o relógio. Dias depois, o índio chamou-o exultante para mostrar o que havia feito: no galho mais alto de uma grande árvore, estava o relógio entre os ornamentos preparados pelo índio. O padre tentou disfarçar o sorriso amarelo ao ver o seu relógio, agora sem função alguma, pendurado naquela árvore. Tempos depois, pouco antes de voltar ao seu povo, o padre precisava entregar aos seus superiores um relatório. E, pensando em como iria construí-lo, contemplou as paredes do seu escritório. Nelas, arcos, flechas, cocares e uma flauta. O pastor riu e lembrou do episódio anterior: “engraçado o que o índio havia feito com meu relógio”, finaliza a estória o autor.
Este exemplo mostra como age o etnocentrismo: o outro é que é diferente, e possivelmente errado, pois não combina com o meu grupo. Ou seja, o etnocentrismo passa exatamente por um julgamento do valor da cultura do “outro” nos termos da cultura do grupo “eu”.
Por isso a leitura vale a pena. Para repensarmos na construção social/cultural que estamos sempre dispostos a julgar. Lembrando que atitudes etnocêntricas podem, quando extremistas, levarem ao preconceito e este, já sabemos, é melhor evitar.

Boa leitura e até a próxima semana!

A norma oculta

Já ouviu falar de “variedades linguísticas tipicamente estigmatizadas”? Se a tua resposta foi não, tenho quase certeza que posso te convencer do contrário. Achou petulante? Então, calma. Vou me explicar.
Este é o termo utilizado para caracterizar as falas consideradas inferiores à norma gramatical correta, também conhecida como “variante de prestígio da língua”.
Geralmente são usadas por pessoas socialmente discriminadas (por isso a palavra “estigmatizadas”). Ou seja, pessoas que usam termos como “prástico”, “crube” e “bicicreta”. Pessoas que adquiriram estas ferramentas linguísticas durante toda a sua vida. E não é porque não sabem falar, mas sim porque não tiveram acesso aos conhecimentos da variante de prestígio da língua, que exige os usos de ‘plástico’, ‘clube’ e ‘bicicleta’. Não é por incompetência, mas por impedimento pelas condições sociais, econômicas, geográficas etc.
É sobre o termo acima apresentado e, principalmente, sobre o preconceito às pessoas que apresentam estas características que Marcos Bagno (doutor em língua portuguesa) apresenta livro “A norma oculta”.
De acordo com o próprio autor, o livro procura, por meio de um exame sobre as relações entre língua e poder, reagir às profecias derrotistas que discriminam e negam as pessoas que falam desta forma, mostrando o porquê estas profecias não devem ser levadas a sério. Como cita o autor, “quem tiver um mínimo entendimento da história do Brasil e de sua realidade sociolinguística não afirmará que falar de acordo com sua constituição história/social/educacional é um erro”.
A propósito, a partir da leitura de Bagno a concepção do que é certo e o que é errado faz parte de uma linha muito tênue na significação da própria palavra erro. Afinal, acreditar que falamos errado é crer que somos todos errados. É desconsiderar as características de um povo, é desmerecer sua história. É fazer de conta que o preconceito linguístico não acontece no ônibus que nos leva ao trabalho; que não ocorre nas piadas de deboche sobre a “region”. Então, para fechar, nada melhor que o esclarecimento de que “o preconceito linguístico não existe. O que existe, de fato, é um profundo e entranhado preconceito social”. E isso, você já ouviu?

Boa leitura e até a próxima semana!

A maior flor do mundo


Existem sentimentos que nos acompanham sem pedir permissão. E a ansiedade é um deles. É através da presença dela que muitas pessoas roem unhas, fumam, comem exageradamente e falam a quem passar na frente. Mas nem sempre a ansiedade é tão má assim. Às vezes, apenas nos faz desejar mais e criar uma grande expectativa sobre algum acontecimento. Confesso, sinto mais ansiedade do que gostaria. Não rôo unha, mas crio uma expectativa descomunal sobre as mais diferentes situações.
Por um bom tempo desejei ler um livro que parecia ser diferente, de um autor que já conheço e do qual admiro a virtude de bem escrever. O fato é que por um motivo e outro o livro foi ficando, surgiam outros e a ansiedade aguentou por longos dois anos. Se rebelou há alguns dias e, como resultado, tenho em mãos “A maior flor do mundo”, de José Saramago, o único livro infantil escrito pelo autor português que há um mês deixou-nos.
“A maior flor do mundo” é, como todo Saramago, esplêndido e o consegue por ser simples. Começa com um relato do próprio autor sobre a dificuldade em escrever para crianças que, “sendo pequenas, sabem poucas palavras, e não gostam de complicá-las”. Após a ressalva de suas “limitações”, somos, então, apresentados ao menino que encontrou e fez nascer a maior flor do mundo.
Com a simplicidade natural de toda a criança, o menino se dedicou a cuidá-la. Para isso, empregou algum esforço sobre o qual foi reconhecido posteriormente. O menino, que no momento só queria cuidar de uma flor quase morta, foi tomado como aquele que saiu da aldeia para fazer uma coisa que era muito maior do que o seu tamanho e de todos os outros. “E essa é a moral da história”, encerra Saramago. Ele que chegou a imaginar que, se tivesse as qualidades necessárias para colocar a ideia no papel, ela seria verdadeiramente extraordinária, podendo chegar a ser a “a mais linda de todas as que se escreveram desde o tempo dos contos de fadas e princesas encantadas...”.
Saramago alega não ter conseguido tal fato, mas deixou o desafio a outros, avisando como é difícil escrever a melhor história de todos os tempos, principalmente se for para criança. A quem quiser tentar contar esta história preciosa inventada pelo português, nada de muita ansiedade e lembre-se: use palavras simples. A narrativa também pode ser acompanhada em www.youtube.com/watch?v=HcDaT03y2no.

Boa leitura e até a próxima semana!

Os caminhos de Nelson Mandela


Cite um exemplo de um bom líder. Alguém com “pulso firme” na tomada de decisões; que não desaponta seus seguidores e que, obrigatoriamente, não tenha como objetivo central “se dar bem”. Alguém que tenha desejos em comum com um grande grupo; que respeite e valorize a vida e, principalmente, lute por ela.Eu acabo de conhecer, entrar na casa e fazer uma retrospectiva sobre um destes “caras”. Mas não é qualquer líder não, é Nelson Mandela. Representante político de um dos países mais pobres do mundo, que viveu massacrado pela imposição do apartheid, Mandela tem um longo caminho de liderança. Começou com a Liga Jovem do CNA, coordenou a campanha do Desafio, em 1952, comandou a decisão de abraçar a luta armada e desafiou o governo a enforcá-lo no Julgamento de Rivonia, em 1963-64. “No julgamento que o enviou para a prisão perpétua, declarou-se inocente – mas acrescentou que era culpado por lutar pelos direitos humanos e pela liberdade, culpado por combater leis injustas, culpado por lutar pelo seu próprio povo oprimido. Sabia que se arriscava a receber a pena de morte e não recuou”.
Durante a minha vida, dediquei-me a essa luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas se for necessário, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”, Nelson Mandela, em1963-64.
Mandela não foi condenado à morte. Em troca, obteve quase três décadas de prisão. E é sobre esta história, é com trechos como o citado acima que é construído o livro “Os caminhos de Mandela – lições de vida, amor e coragem”, de Richard Steven.Mais do que um diário, a obra apresenta um belo retrato da postura de um dos maiores líderes mundiais; apresenta suas estratégias táticas para conciliar interesses e, ainda assim, garantir melhor condições de vida à população. 
Mandela, mesmo indo contra muitos precedentes, conquistava, seduzia e, ao final, garantia o que havia planejado. Dentre uma destas conquistas, a liberdade da África do Sul. A mesma África que vimos nos jogos da Copa do Mundo: colorida e cheia de magia.

Boa leitura e até a próxima semana!  

7.13.2010

Capitães da areia

Há dias em que o mais irredutível dos homens pode render-se a um encantamento. Esquece-se, ele, do sofrimento, da falta de oportunidades e do preconceito que sofre. Um dia me disse um amigo: “Viver na diferença é ir contra a maré todos os dias. A cada amanhecer é um novo embate”. Meu amigo, na condição de diferente por ser homossexual, teve muitas portas fechadas, no entanto precisou encontrar novas janelas, buracos, qualquer forma para que visse a claridade do sol. “Não é fácil”, reforça ele.
O preconceito de que sofre este amigo é semelhante ao de muitas outras pessoas que, por algum motivo, são colocadas como “diferentes” e, por isso, taxadas com as mais inadmissíveis barbaridades. São pessoas como os “Capitães da Areia”, grupo de meninos que “infestavam” Bahia de 1937 e que tem no cais o seu quartel general.
A obra de Jorge Amado narra a história de meninos que vivem nas ruas, sem família, casa ou qualquer conforto. Meninos que, pela necessidade, descobriram o valor da amizade e da parceria. Com o grupo, organizavam furtos e destes tiravam o sustento e algum prazer.
A narrativa se desenrola no Trapiche (hoje Solar do Unhão e o Museu de Arte Moderna); no Terreiro de Jesus (na época era lugar de destaque comercial de Salvador); onde os meninos conseguiam dinheiro e comida devido ao grande movimento de pessoas; e no Corredor da Vitória, área nobre de Salvador, também conhecida como “cidade alta”.
Mas não é apenas destes meninos que vemos falar na história contada por Jorge Amado. Ali conhecemos crianças. Destas que nunca brincaram num carrossel, que desconhecem o sentido da palavra carinho, que não fazem planos para o futuro. Ao se deitar, os Capitães da Areia não sonham; apenas sofrem com antigas lembranças das surras, esporos e covardia de que eram vítimas ao serem conduzidas ao reformatório.
Ao ler essa história é simplesmente impossível não sentir medo e angústia. É impossível não ter esperança de que, como nos filmes, no fim tudo pode dar certo. Jorge Amado é mais realista. Tanto, que ainda hoje a sua história não precisa muito para ter exemplos cotidianos.
Os “Capitães” às vezes cansavam da liberdade da rua; queriam mais. Procuravam carinho, atenção, “qualquer coisa fora daquela vida”. No entanto, poucos percebiam que, “vestidos de farrapos, sujos, semiesfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os seus poetas”. Poetas que morreram de fome, de “bexiga” e, até, de saudade do que não tinham.

Boa leitura e até a próxima semana!

7.12.2010

O Velho e o Mar

Dizem, por aí, que cada sujeito é livre e que, sendo livre, decide sozinho os rumos que deseja dar à sua vida. Se acredito nisso não importa. O que vale mesmo é pensarmos sobre até que ponto somos capazes de estabelecer nossos próprios desafios, e, é claro, vencê-los. Até que ponto podemos arriscar a nossa vida para conseguirmos o tão obstinado reconhecimento, admiração e, quiçá, alguns elogios? E, principalmente, quanto isso nos faz feliz?
A busca pelo sucesso (aqui entendido como reconhecimento) é constante e incansavelmente persistente. Seu Santiago que o diga.
O velho pescador, centro da história de Ernest Hemingway, não é como possa parecer, tão obstinado pelo sucesso. Pelo menos não o sucesso reconhecido externamente, com aplausos e plumas. Santiago quer mesmo é saber que ainda é capaz de pescar os seus peixes, trabalhar sozinho e esquecer alguns fardos trazidos pela idade.
Após 84 dias sem angariar nenhum pequeno animal que seja, Santiago deposita sua esperança e vai à luta. Não, Santiago não é brasileiro. Mas, até que parece! É daqueles que não desiste, que, com sabedoria popular, sonha e é feliz. Ele sabe que não é fácil vencer uma maré de azar, mas também sabe até aonde vai a própria experiência.
É assim que Santiago, protagonista do livro “O Velho e o Mar”, escrito em 1952, constrói a sua busca. E, além de nomes de peixes e manobras de pescarias, com a obra aprendemos o que de mais importante existe para aqueles que sonham e que costumam correr atrás de seus objetivos: a esperança.
Não apenas ela, mas a esperança que carrega junto a garra e a vontade de fazer diferente. Se você é um desses, a dica foi feita. Procure e descubra o que mais Santiago pode nos ensinar. A sorte pode vir na próxima rajada de vento. É preciso estar atento às mudanças!

Boa leitura e até a próxima semana!

6.09.2010

Morangos Mofados

Quantas vezes você vai ao mercado e compra algo mofado? Isso mesmo, um “bolorzinho”, pequeno que seja, interfere no seu poder de escolha? Pois não interfere no texto de Caio Fernando Abreu, do qual, afinal, é a base.
O livro “Morangos Mofados”, de C. F. A, é dividido em três partes (o mofo, morangos e morangos mofados), e constitui-se de histórias que vão da ditadura militar, à repressão à liberdade e ao direito de opinião, a sentimentos rejeitados pela sociedade e reprimidos nos indivíduos e, também, a esperança oferecida aos personagens, que encontram um sentido para viver. A luta, a reclusa e o medo, integrantes da primeira parte do livro, dão espaço à aceitação e realização de desejos na segunda, que encontra a sua felicidade numa terceira parte.
Como se fosse um romance, os contos de C.F.A. enlaçam dor, esperança, medo, insatisfação, prazer e amor. Por vezes, tudo parece fazer parte de uma história só, mas não. Cada conto, uma história; cada história, o retrato de uma gente que sente, que imagina e que sofre. A sensibilidade para fazer aflorar uma imensidão de “coisas” numa pessoa só, faz de Caio Fernando Abreu referência quando o assunto é texto bem escrito, inteligência e perspicácia.
Mas é mais que isso. E, talvez por isso, eu peque (assim como devo ter pecado em outros textos) por não apresentar a grandeza do material que te espera caso você aceite essa dica e se debruce sobre a obra. “Morangos Mofados” é maior do que isso; é melhor do que se pode descrever em algumas poucas linhas, e é, antes de mais nada, um convite ao deleite.
Caso você não tenha medo do gosto de mofo que pode içar em sua boca, se arrisque; engula, deguste e aprecie umas das melhores obras brasileiras. Até porque, o mofo não está apenas na boca; é mais presente do que gostaríamos, ou não.


Boa leitura e até a próxima semana!

Uma vida inventada


Estereótipos, sejam eles quais forem, em pouco nos ajudam nas tarefas do dia a dia. Andam lado a lado com o preconceito: ideia sobre algo ou alguém estabelecida, muitas vezes, sem sequer conhecer o que ou quem é este “desconhecido”.
Na maioria das vezes, o estereótipo e o preconceito fazem com que não aproveitemos algo que seria bom. E, travados, ficamos na mesma. Às vezes é preciso ousar, pois na ousadia despropositada está a nova experiência. Mas, quantas vezes nos permitimos experimentar o novo? Quantas vezes nos deixamos levar pela incerteza? Quantas vezes agimos mediante um conteúdo incerto?
Trabalhamos com o certo, o objetivo, o categórico. E nesta lista não cabem sentimentos como incerteza, a menos que este exista apenas na nossa imaginação. Ali, onde ninguém pode alcançar, nos permitimos elaborar outros enredos que não o nosso (verídico); com a imaginação criamos cenas, cúmplices, amantes e até uma pessoa que concorde com tudo o que fazemos. A isso podíamos chamar de “inventação”. Simples assim!
Você poderá me dizer: nem tão simples! Afinal, criar ou reinventar situações requer cuidado e a tal audácia que falávamos anteriormente. Audácia que Maitê Proença teve ao construir o livro “Uma vida inventada”, uma mistura entre biografia e literatura.
São duzentas páginas, cerca de quatro horas e meias de dedicação e, então, você estará à par da história de uma atriz e autora que, pelo menos a mim, parecia tão como as outras. Maitê agora surge diferente. Vem mais crua, mais humana, mais eu e você. E vem inventando passados e planos futuros. Maitê se aproveita dos personagens que interpreta para viver várias vidas; para em cada uma delas expressar o sentimento que queira, sem remorso, sem vergonha e sem medo. Maitê é artista e encontrou na arte a sua forma de viver pela verdade, sem esconder qualquer que seja o sentimento que a abrasa. Mas e nós? Como podemos reinventar nossa vida a cada tropeço, a cada dúvida, cansaço e desalento? Como podemos fazer o que Maitê sugere?
Talvez, encarar estereótipos e preconceitos seja uma alternativa. Assim ficamos mais soltos. Alguém quer tentar?

Boa leitura e até a próxima semana!

5.21.2010

O andar do bêbado


Levante a mão quem nunca ouviu a frase: “foi só elogiar que agora fez coisa errada”. O dito, muito usado em tempos de colégio, quer dizer que mediante um elogio “decaímos” em nossa produção, seja ela acadêmica ou profissional.
Mais uma: alguém aí sabe o porquê, ao apresentar uma pesquisa eleitoral, surge a ressalva: “2% para mais ou para menos”?.
Essas e outras questões de probabilidade e aleatoriedade podem ser encontradas no livro “O andar do bêbado”, do doutor em física Leonard Mlodinow. A obra reúne uma síntese de processos matemáticos, físicos e astrológicos presentes não só em problemas que parecem sem solução, mas também em nosso cotidiano. E é por características assim que surge o embate: devorar a matemática ou desistir do livro?
A dúvida, confesso, existiu, e resistiu, por mais tempo que eu gostaria. Prova disso, é que escrevo a coluna atordoada, olhando o relógio e pensando no fechamento do jornal. E sabem porquê? Porque pessoas como eu, que se dedicam às letras, muitas vezes refugam os números, cálculos e raciocínios lógicos. Eis a problemática (literalmente falando): o livro é carregado se suposições, probabilidades, fórmulas de matemáticos e cientistas de importância inegável.
E, para meu próprio espanto, sobrevivi à narrativa e isso se deve a considerável competência do autor em abordar um tema “técnico” de forma que se relacione com questões do dia a dia.
À propósito, quando dizem “2% para mais ou para menos” quer dizer que, se repetissem a pesquisa uma grande quantidade de vezes, em 19 de cada uma das 20 pesquisas (95%) o resultado estaria a menos de 5% do valor correto. Então para ‘poupar’ trabalho, joga-se esta margem e que vença o melhor. Quanto ao fato de recebermos um elogio e logo depois falharmos, não quer dizer que o elogio é que ocasione a falha. Mas sim, que a presença de inúmeros outros fatores que acontecem ao nosso redor, potencializam a maneira como agimos a cada novo fato. E isso pode ser positivo ou não.
Depois dessa, acabaram-se as desculpas para evitar elogios. Que venham as pompas.

Boa leitura e bons cálculos!

As mentiras que os homens contam


Quantas vezes você mente por dia?
O que? Lhe ofendi com a pergunta?! Desculpe-me! Mudarei, então, a formulação da questão: você, algum dia, já mentiu? Não precisa ter pressa para responder. Pense bem, reflita, relembre. Como respostas, servem aquelas mentirinhas tolas que às vezes escapam sem consentimento; que escapulam libertas e quando vimos não há mais o que fazer.
Mentirinhas assim temos aos montes, certo?! Ainda não?! Ok, desisto! Vou restringir o grupo a que a pergunta se destina: claro, os homens. Agora não tem erro: em corro a resposta é... tchã tchã tchã.... Sim! Os cuecas mais afoitos poderão afirmar que isso é preconceito de gênero. Mas, me baseio aqui nas falas de um próprio representante da ala masculina: Luis Fernando Veríssimo (e não é qualquer representante não, hein).
A fala do consagrado escritor caracteriza “As mentiras que os homens contam”, livro que nos traz até aqui. A série de crônicas nada mais é que um emaranhado de bons textos com histórias divertidas e, claro, acaloradas pelo bom humor e inteligência do autor. Nos escritos, mentirinhas “bobas” que os homens aplicam, muitas vezes sem saber o porquê. Simplesmente falam e com mentiras é assim: falamos num momento e logo depois já não há como negar. Afinal quem é que vai querer ficar com cara de mentiroso?!
Em função destas pequenas “calhordices”, somos apresentados a um emaranhado de relatos que se confundem entre o que é fato, o que é boato, o que poderia ser verdade e o que, principalmente, preferimos que seja mentira. E aí Veríssimo é categórico: homens mentem para nos fazerem felizes. Discordem as mais veementes, mas, eu, após acompanhar a sequência de textos, preciso admitir: uma mentirinha a toa não mata ninguém (a verdade, essa sim, é cruel e fria).
Um exemplo: você caminha pela calçada ao lado do seu (eterno) amor. Passa uma daquelas mulheres que correspondem a todos os requisitos da constituição do que seria uma mulher bonita, charmosa, gostosa, misteriosa e, claro, super atraente. Você percebe um breve movimentar de olhos, pescoço e boca. E então tem a brilhante ideia de perguntar: “gostou amor?”, ele diz, na voz mais melosa que consegue provocar: “capaz amor! Tenho tudo o que preciso com você”. Você deixa por isso mesmo e continuam a caminhada rumo à pizzaria. Agora, confesse: o que faria se ele dissesse: “mas é obvio né amor. Uma mulher dessas é impossível não gostar”. Então, mulherada, não sei quanto a vocês, mas prefiro a primeira opção. Principalmente se estiver na TPM. Como diz o autor: “mentir é uma questão de sobrevivência”. Sábio Veríssimo.


Boa leitura!

5.13.2010

Comunicação de massa sem massa


No mês em que se comemora o Dia da Liberdade de Imprensa, nada mais peculiar que falarmos sobre a comunicação e, claro, os rumos que os meios de comunicação tem tomado, bem como que liberdade é esta que tanto se fala.
Não é de hoje que o debate sobre até onde vai a liberdade dos meios de comunicação ou a falta dela acontecem. Tão antiga quanto a própria imprensa, esta discussão faz com que voltemos à história e analisemos toda a constituição do atual cenário comunicacional. E foi isso que Sérgio Caparelli fez no livro “Comunicação de massa sem massa”, ainda em 1947.
Caparelli faz um breve relato de toda a história da mídia brasileira, desde sua fundação pelas mãos de Assis Chateubriand, a sua passagem pelas regras estabelecidas com as leis de segurança nacional, as concessões públicas, o início do rádio, a ascensão da TV, a rotina dos jornais diários e o surgimento da imprensa alternativa.
Criada a partir de modelos americanos, a imprensa nacional, logo após dar os primeiros passos, se vê à margem do processo ditatorial que instalava-se. Neste processo, leis deveriam ser estabelecidas, tudo de maneira que prevalecesse a união e o patriotismo. Para isso, campanhas publicitárias começavam a conquistar seus espaços e mostrar um Brasil diferente das brigas, lutas, torturas e miséria, em prol dos objetivos nacionais. Tal como consta na pesquisa feita pelo autor: “a censura exibida nacionalmente agia através da supressão de imagens e palavras na televisão e sua substituição por problemas irrelevantes [...]. Aliás, esta censura serviu de reforço a uma predominância dos conteúdos de evasão dos Meios de Comunicação”.
A partir daí, surgem também conceitos como objetividade e imparcialidade. No entanto, estes conceitos, de acordo com o autor, vieram mais para validar uma imprensa que levava consigo ideais nada “imparciais” do que para traçar um caminho a ser trabalhado. E é neste contexto que surgem as mídias alternativas: para dar espaço e voz aos marginalizados pelo sistema. Estas “novas” formas de fazer mídia estabelecem, então, uma proximidade entre o meio e o receptor, que deixa de ser apenas parte da grande massa e se consolida como sujeito. Sujeito este que por mais que integre a “massa” não vê na programação para ela feita a discussão sobre o seu problema; não vê a sua realidade e suas particularidades. Pois, a massificação deixa todos iguais e fazer isso num país marcado pela diversidade é, no mínimo, um risco. Por ser de 1947, até que está bem atual, não é mesmo?
Boa leitura e até a próxima semana!

5.07.2010

Divã


Piadinhas não faltam para dizer que mulheres falam demais. E falamos mesmo! É tanta coisa na cabeça, tanta imaginação, planos, projetos, intenções, tanta, tanta coisa que é difícil não expressar isso em formas de palavras. Maridos, namorados, irmãos e amigos que nos desculpem, mas não há o que fazer. Existe dentro de cada mulher uma necessidade latente de esbravejar a felicidade e lamentar qualquer vestígio de tristeza. E cada uma encontra o seu confidente especial para a tarefa. Mercedes preferiu “falar” com um psiquiatra.
Lopes era o nome dele. Mas do Lopes pouco sabemos. Escutamos mais são as histórias de Mercedes: uma mulher que sente a incoerência e a pluralidade num só corpo; que ora quer descobrir quem é, e ora imagina já saber a resposta; Mercedes quer o amor, o fervor oferecido pelo beijo que aquece; quer o que sempre teve e o que não teve também. Ela sabe que é isso que quer e, então, busca incansável chegar até o fim. A narrativa desta incessante procura acompanhamos (já meio confusos) à cabeceira do Divã.
Escrito por Martha Medeiros, Divã é o relato da vida de Mercedes para ela mesma. Mercedes tão convicta, tão confusa, tão mulher, tão homem, tão carente e tão autosuficiente. “Sou tantas que mal consigo me distinguir”, conta ela ao psiquiatra. “Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua... São muitas mulheres numa só, e alguns homens também”.
Mercedes também sente medo. Pensa que pode ser traída, e, por receio, não procura; sente medo de não viver intensamente sua vida; medo de deixar os dias passarem sem alterar sua rotina devidamente estabelecida. Mercedes sente medo de ser sempre a mesma e, principalmente, sente medo da paralisação, porque, como ela mesma diz: “Perigoso é a gente se aprisionar no que nos ensinaram como certo e nunca mais se libertar, correndo o risco de não saber mais viver sem manual de instruções”.
Em Divã conhecemos várias mulheres. E cada uma pode ser uma só, ou como Mercedes, ser todas ao mesmo tempo. Por isso, talvez nem todas se encontrem durante os três anos de consulta de Mercedes. Mas, num capítulo ou outro, viramos a página e lá estão também os nossos medos; as nossas angústias, loucuras e tentações. De repente você também se percebe uma Mercedes e aos poucos começa a procurar um projeto para o dia seguinte e, então, aceita o convite que há tempos um amigo lhe fazia; aceita tentar se reencontrar no meio de tantos e-mails, recados, anotações e trabalho; e descobre que a cada dia se constrói um novo momento, onde a repetição que nele acontece é de responsabilidade exclusiva nossa. Mas por hoje chega, já falei demais.


Boa leitura e até a próxima semana!

Íntima Desordem


“O que é para você estar em íntima desordem?”
Foi através desta pergunta que entrei em contato com a obra que me traz aqui esta semana. Ao responder a pergunta feita pela Revista TPM, participava de um concurso cultural em que as vencedoras levariam o livro de Mara Gabrilli. A obra (Íntima Desordem) reúne textos publicados mensalmente pela TPM, pela publicitária e psicóloga. E é preciso que se diga logo: Mara é tetraplégica e é sobre o que esta mudança ocasionou em sua vida que ela escreve. (Mas não apenas sobre isso.)
A sensibilidade da escritora em dissertar sobre um tema tão delicado e que, pensem, é sobre ela mesma, faz com que nenhum dos textos seja algo triste ou de dar pena. Antes disso, Mara consegue nos fazer perceber coisas simples. Ou melhor, a importância de que certas coisas simples assumem. Como, por exemplo, o incômodo que um pernilongo pode causar; a necessidade daquela vaga para deficiente; a importância de que regras simples de respeito sejam cumpridas e não por pena, mas por “bom senso”. Como pergunta a autora mesma: “será que um dia conseguiremos viver nas cidades brasileiras com urbanidade, respeitando qualquer pessoa?”. A pergunta da Mara é sobre as vagas privativas, sobre os banheiros com espaço para cadeirantes, mas que são ocupados por diferentes pessoas e sobre a dificuldade que pessoas com deficiência encontram para desempenhar atividades simples e que, sim, são super capazes de cumprir. Claro, se houver estrutura.
Através dos textos é possível perceber que Mara sempre lidou muito bem com a questão, mesmo quando isso significou pedir que o irmão retirasse uma caca de seu nariz. Estas pequenas dificuldades são, de acordo com o livro, o que Mara mais sentiu. Ou seja, o fato de precisarmos pedir para que outros façam aquilo que nós (sempre) fizemos. Limpar o nariz pode ser muito mais complicado que, simplesmente, não poder caminhar até o supermercado.
Fica a dica, não só do livro, mas também da reflexão sobre “quem poderia tirar a caca do teu nariz caso você não mais conseguisse”; ou, quem, ao seu lado, respeitaria a vaga para deficiente?
À propósito, a resposta à pergunta foi: Estar em íntima desordem é viver em desordem total. É ser mulher; é atropelar o relógio; é o vento que balança; o perfume que encanta; o toque que arrepia; é o sono que sonha; é o sonho que acorda; é o sorriso; o bom dia; boa noite e até mais. Estar em íntima desordem é viver o desejo, o amor e a solidão; é a lágrima, o estalar de dedos e a certeza de que no outro dia tudo estará devidamente bagunçado novamente.


Boa leitura e uma ótima semana a todos!

4.19.2010

Amanhecer


Abro os olhos ainda meio atordoada com o sonho que acabara de ter. Sinto o corpo doer. A nítida sensação que fui atropelada. Confiro se estou realmente acordada ou se este é mais um de meus pesadelos. Olho para a janela e percebo que o dia está nascendo. É o amanhecer que se aproxima. Mas ele não vem sozinho.
A cada amanhecer uma nova expectativa; um novo desejo e um novo desafio. A cada amanhecer um novo dia em que decidimos tudo o que dele vamos fazer. Somente a nós compete decidir se vamos, realmente, fazer algo de útil ou se vamos passar em branco. Nós é que decidimos qual o caminho a seguir e o que fazer com ele.
Se quisermos ser feliz, que lutemos por isso. Nada de reclamar à toa. É preciso valorizar o sorriso ainda meio amarelo do namorado que recém acordou; considerar aquela palavra de carinho recebida num momento de aflição; valorizar a demonstração de amor e dedicação; é necessário gostar do que se faz e fazer o que se gosta; é imprescindível que tenhamos um objetivo decente, justo e cabível. Por fim, é preciso encarar aquilo que por vezes relutamos e deixamos de lado, seja por receio ou vergonha. Afinal, chega um momento em que é preciso escolher o que realmente é necessário para a nossa vida.
Foi ao decidir que leria a série mais afamada de 2009 que descobri precisar enfrentar alguns estigmas. Mas, agora estou aqui, no último comentário sobre o último livro de Stephenie Meyer, “Amanhecer”.
“Sobrevivi” à saga dos vampiros e lobisomens e confesso: nem foi tão ruim assim. Talvez me critiques por não ser mais pragmática quanto ao best seller. Pois é. Não sou. Prefiro fazer como comentava antes: esperar que cada novo dia seja o dia em que faço tudo o que tenciono. Despejo em cada amanhecer a necessidade de ser feliz, tal como Bella e Edward Cullen, Jacob Black e a pequena Renesmee. Pois, mesmo para aqueles que não apreciam muito o sol, nem sofrem o juízo final, o Amanhecer ainda assim é novo, imenso e completamente surpreendente. O amanhecer para eles também é uma incógnita, prova maior que nada nos foi dado à toa, nem por acaso. Então, o que fazemos com o dia de amanhã só a nós confere e, vamos “combinar”, é muito melhor quando percebemos que valeu a pena, não é?!


Boa leitura e até a próxima semana!

4.06.2010

Tudo o que eu queria te dizer


Quantas coisas queríamos dizer e calamos? Quantas vezes abrimos a boca para despejar toda a raiva, todo o amor, carinho, saudade, angústia, desejo, desespero e acabamos optando pelo silêncio?
A fala que, simplesmente, não saiu; o nó na garganta; o medo; a vertigem; o pavor de não saber qual a reação do outro ao ouvir que você o traiu; que você o amava; que o odiava; que preferia não ter saído naquela noite, não ter visto o cachorro, nem oferecido carona; que não queria ter iniciado o tratamento daquele casal; não ter optado por desprezar a maternidade. Tudo aquilo que para na ponta da língua e não sai. Não sai e você não sabe o porquê. Simplesmente deixa o silêncio te levar e, então, como última alternativa, escreve. Escreve cartas. Nada de emails ou mensagens instantâneas. Mas cartas!
E, então, dedos que não estavam habituados à tarefa se dedicam a escolher palavra por palavra; imaginar os efeitos dos seus significados e a descrever tudo o que não foi possível fazer pessoalmente ou ao telefone. A reunião de algumas destas cartas Martha Medeiros organizou em “Tudo o que eu queria te dizer”, um livro que, acima de tudo, incita.
Entre uma linha e outra, a história de amor, de despedida, de raiva, de dor, arrependimento, dúvida, angústia, felicidade, medo, pudor, revelação. Cartas de muitas vidas; assinadas com carinho, sutileza e cordialidades. Cartas escritas pelo Régis, pela Graça, pelo André, pela Lúcia, Esther, Renata, Dinorá, Juliana e Brito.
Depois de lê-las, queremos saber se receberam resposta; se o perdão foi aceito; se as lembranças chegaram. Saber se valeu a pena; se é assim mesmo que as coisas funcionam ou se arrependem-se de não ter falado cara-a-cara. De não ter gritado olhando nos olhos do outro; de não ter abraçado em público; ligado quando falou que ligaria.
Eles eternizaram suas vidas livro; nós (por enquanto) eternizamos aqui, na rotina; cada um com suas desculpas e prioridades. Nada de mais. Se gostamos, falamos. Se não gostamos, falamos também. Se queremos por perto, chamamos. Se odiamos, mantemos distância. Se somos felizes, sorrimos. Se somos tristes choramos.. Assim, fácil como escrever.

Boa leitura e até a próxima semana!

3.30.2010

Alice no país das Maravilhas!


Disse-me um amigo: “tenho sonhado com cada coisa que tu não acredita”; eu, curiosa, pergunto: “com o que?”. Ele responde: “não sei ao certo” e prossegue a narrativa de maneira insegura ao proferir as palavras que dão cor e vida ao sonho já entrando em esquecimento.
Meu amigo não é o único que, ao contar um sonho, percebe que não lembra de tudo, às vezes de nada. Há quem diga que isso acontece porque nosso inconsciente bloqueia aquilo que, pelo sim e pelo não, é melhor que não “saibamos”. Sendo assim, lembramos apenas o que não nos afeta (intimamente, prefiro acreditar apenas que somos “fracos de memória”).
Teorias à parte, sonhos são sempre instigantes, para não dizer, absurdos. Juntam pessoas, lugares, reações que sequer teríamos imaginado de olhos abertos. Alice que o diga. De um momento para o outro ela saiu do jardim, ao lado da irmã, e começou cair. Caiu até que encontrou o fundo. Calma, Alice não se machucou.
Lá no fundo do poço, ao contrário do que costumamos pensar quando falamos em “fundo do poço”, Alice se maravilhou. Cresceu, chorou, conheceu figuras estranhas, diminuiu e voltou a chorar. Tudo assim, conjugado no passado, porque hoje Alice está acordada. Se ainda sonha, não sabemos, mas o fato é que, depois que caiu naquele poço fundo, descobriu um mundo de magia. Descobriu que para imaginação não há limites. Tanto que, quando tudo parecia “normal” aí é que Alice se preocupava. “Estava tão acostumada a esperar apenas cosias extraordinárias que lhe parecia bastante monótono e estúpido que a vida continuasse no ritmo normal”.
No entanto, ela é apenas uma criança. Alice sonha e imagina, mas ainda assim (ou, por isso mesmo) é uma criança. E, quando ela refuta a imaginação, acorda. Quando ela se percebe maior, desperta do sonho e corre para casa. Assim é Alice no País das Maravilhas.


Boa leitura e até a próxima semana!

Anjo Negro


A diversidade é, sem dúvida, o que nos leva a crescer. Através dela nos deparamos com aquilo que tem caráter de novo, surpreendente, inimaginado e desconhecido. Através desse contato, nos defrontamos com a possibilidade de releituras e novas formas de aprendizado. Quando lemos um livro que “nos pega de jeito”, por exemplo, a vontade que dá é ler apenas livros que sejam do mesmo autor para, assim, levar adiante o mesmo entusiasmo. No entanto, às vezes é preciso de risco. Fazer uma aposta e, de repente, ter uma baita de uma surpresa.
Nesta semana apostei. Mas não foi nenhuma aposta de grande impacto, pois o nome em questão tem todo o mérito e pompas a seu favor. No entanto, ainda assim, escolhi o livro sem saber como seria a narrativa, o desenrolar da história e etc, etc. e, mais uma vez, me dei bem: “Anjo negro”, de Nelson Rodrigues, entrou, então, para a lista de “autores a consumir”.
O livro que, na verdade é a apresentação de uma peça, foi escrito em 1946, passou pela censura e, em 1948, foi à cena. Na trama, encanto e repúdia dividem espaço com a história de Ismael e Virgínia e, por isso, muitos a reconhecem pelas denúncias de obscenidade e desrespeito à moral. Isso porque o autor aborda temas de difícil aceitação como o incesto, a mistura entre ódio e amor, a repulsa do sexo que disfarça a obsessiva atração e, principalmente, o racismo.
É em torno desta questão que a maioria das cenas se desenrolam: é o “preto racista” que viola a “branca pura” na procura pela sua própria pureza; e o racismo da branca que deseja e odeia o ardor que sente pelo preto que a encanta e prende. O desejo carnal e a loucura do enclausuramento fazem dela (Virgínia) uma pessoa capaz de aceitar a maneira como foi violada e a violência com que sobrevive. Ele (Ismael) despreza a sua pele e passa a encontrar outro homem em seu corpo.
Não é a toa que Nelson Rodrigues dá, em sua primeira fala, a ordem que “a ação se passa em qualquer tempo, em qualquer lugar”. O racismo de que ele fala na década de 40 é a exacerbação do racismo que hoje fingimos não perceber. O sexo explícito numa época em que levava somente ao pecado é o desejo ardente transmitido em rede nacional, no horário nobre. É um emaranhado de loucura, possessividade, amor, devoção, desejo e sadismo, tudo acontecendo num espaço simbólico. Espaço simbólico de um Brasil que, muitas vezes, fingimos esquecer ou negamos.


Boa leitura e até a próxima semana!

3.17.2010

Sujeito, o lado oculto do receptor


Em qualquer que seja o processo, existem meios e formas para que as coisas aconteçam. Num processo cirúrgico, por exemplo, são várias as etapas até que ele se complete; e para o seu bom desempenho é preciso que todas elas sejam executadas e respeitadas em seus devidos momentos. Assim também é com os processos comunicacionais.
Mas que processos são esses?
Processos comunicacionais são as etapas que conduzem à comunicação de fato. Nele existe o emissor (que produz a mensagem), a mensagem (informação jornalística, campanhas publicitárias) e o receptor (que recebe a mensagem; também chamado de telespectador, leitor, internauta, ouvinte). No entanto, por tratar de algo subjetivo e relativo, como as condições que levam o receptor agir de tal forma ou do emissor a produzir este e não aquele material, esse é um processo muito complexo. Por isso, Mauro Wilton de Souza organizou o livro: “Sujeito, o lado oculto do receptor”, com diversos textos de autores diferentes, a fim de analisar o papel do receptor.
Para esta análise, sugere-se que o papel de um e de outro seja entendido no processo como um todo. Por exemplo, o emissor produz a mensagem e transmite-a. Não faz isso, porém sem qualquer influência externa e, inclusive, pessoal. Nesta mensagem, além do profissionalismo, estarão presentes as suas experiências de vida, expectativas, intenções e interesses. Tudo isso também fará parte das características que constituem o outro lado: o receptor, aqui abordado como sujeito. Mas, e porque sujeito e não apenas receptor?
Receptor, recebe. Sujeito escolhe o que receber. Esta é a ideia que norteia o livro em questão. Mesmo considerando que o receptor escolha dentro daquilo que lhe é oferecido, ainda assim ele exerce sobre o emissor a força daquilo que deseja, do que gosta e de como quer receber. Este sujeito, oculto e ainda em processo de investigação, aponta o caminho que a mensagem deve seguir; e determina a mensagem. É o indivíduo com sua história, preferências, medos, cultura e hábitos.
Nesse processo, um complementa o outro; e um só existe em função do outro. Este receptor/sujeito sou eu, é você, somos todos nós. Pessoas diferentes que desenvolvem um tremendo papel: ajudar na construção da cidadania. Então, sempre que você estiver com o controle remoto na mão, lembre-se que a sua escolha e a sua preferência está impressa no botão que você apertar. Vale a pena, então, prestar atenção em qual será ele!
Boa leitura e até a próxima semana!

Eclipse


O ditado popular é claro: “gosto, cor e amor não se discute”. No máximo, é permitido discordar e, quanto isso, ninguém poderá fazer nada, justamente pelo fato de que cada um gosta de algo em específico. Sendo assim, o que é bom para um, pode não ser para o outro e no fim das contas: viva a diversidade! Por exemplo, há quem prefira os loiros, os morenos, os baixinhos, os altos, os magros ou os gordos; quem não dispensa dias de sol, chuva, ventosos ou frios; que preferem a claridade do dia ou a escuridão da noite; que gostam de barulho, movimento e agitação ou do silêncio. Por tudo isso, algumas pessoas parecem combinar mais com uma coisa do que com outra. Não Bella! Ela combina com os dois: frio e calor; dia e noite. Ela combina com Edward e também com Jacob. No entanto, combinar com momentos e pessoas tão opostas tem seus riscos; requer meticulosidade e muito, muito tato.
O terceiro livro da série Crepúsculo, de Stephenie Meyer, “Eclipse” fala disso. Do amor incontrolável que Bella sente por Edward; de como ela mudaria para ficar ao lado dele e sentir sua mão gelada; fala do carinho por Jacob; da tranquilidade, satisfação e do calor que a sua companhia proporciona; fala da dúvida; do medo; e da angústia em fazer uma escolha. Escolha que dever ser única. Dessas que definem para sempre o caminho a seguir. Bella tem duas opções. As duas levam ao amor incomum, insensato e irresistível.
Então, Bella passa a pesar o carinho, a atenção, a proteção e os planos que um dia fizera. Pensa no passado, no futuro e nas suas opções. Ela sabe exatamente o que quer, mas ainda assim analisa e pondera. Pois, sabe que a decisão não tem volta. E, afinal, quem não tomou uma decisão que é impossível voltar a trás? Isso faz parte de nossa vida: escolher, decidir e apontar o que queremos. Nem sempre é fácil e nem sempre é difícil. A certeza depende daquilo que sentimos dentro do peito. E, assim como Bella, no fim é sempre esse sentimento que nos faz escolher. É essa coisa (que alguns chamam de voz interior) que nos leva a saber a hora certa de dizer “eu te amo”; “eu aceito”; “não dá mais”; e “até algum dia”.
Eclipse é isso. É o amor estonteante; é a voz interior; é a escolha; é o caminho; é a razão do sentimento. É a escuridão total e é, principalmente, a esperança de logo ver o amanhecer.
Boa leitura e até a próxima semana!

2.23.2010

Eu que amo tanto


O que não se faz por amor? O que, em hipótese alguma, não se faz pela pessoa amada?
O amor, enredo fácil de qualquer peça de teatro, filme ou novela, é nada menos que a essência e a perdição. Para alguns, isso deverá parecer exagero. E estes alguns, não tenham dúvidas, se chamam “eles”. E sabe porquê?! Porque à mulher foi concebida a tarefa de amar demais. A elas foi designado que amar era permitido, que não carecia de vergonha, nem muito tato; que bastava se entregar e todo o resto se transformaria exatamente como havia sido planejado. Só para elas o amor é o início e o fim; salvação e “desgraça”. Elas que, como disse Marília Gabriela, tem a vocação de amar demais. E a jornalista e escritora não falava isso por falar, tal como fazemos às vezes. Ela falou porque assim contaram a ela. Assim foi que as treze mulheres, integrantes do MADA*, relataram suas vidas para que fosse composto o livro “Eu que amo tanto”.
O livro é, nada menos, que uma junção de depoimentos de mulheres que amam desmedidamente. Mulheres que justificam tudo pelo amor.
O amor alcóolotra, cimento e possessivo; o amor louco, doentio e engessado; o amor que se anula. Amor de colégio, de pai e mãe, de namoricos, de amigos, de bichos, de saudade, de sexo e de perversão. Amor caliente, quente e necessário. Amor que fica, adormece e explode. Que desequilibra, distorce e divorcia. Amor da alegria incontida, do sorriso, da briga e do ódio. Amor que traz a paz, a mentira e o vício. Amor que, acima de qualquer coisa, é indomável e que, por isso mesmo, enlouquece e assusta essas mulheres. Porque elas, elas tem o amor como uma entrega total, irrefutável e completamente intensa. Como cita a autora, “são pessoas como eu, como você, como todo mundo, milhares, centenas de mulheres, com quem devemos cruzar em nosso cotidiano”. Mulheres que se doam a cada amor. A cada resquício de paixão efêmera, doutrinal ou de uma vida toda. Não importa!
Para elas só o amor é suficiente. É o dicionário de palavra única. Talvez por isso encante tanto. Afinal, não é sempre que se vê tal palavra flutuando solta por aí. Nem todos querem ver, sentir e se deixar levar por essa leveza. Para estes, elas dão a lição: o amor é matéria-prima escassa. Escassa!



*MADA: grupo de apoio a mulheres que amam demais


Boa Leitura!

2.17.2010

Qual é a tua obra?

traz a reflexão sobre gestão, liderança e ética em suas diversas esferas. Desde a busca de sentido no trabalho que realizamos; a idéia de trabalho como algo que nos faz bem e nos satisfaça; o reconhecimento necessário; a humildade para aprender que nunca sabemos o suficiente sobre qualquer coisa; o lado bom de perceber que não sabemos tudo; a importância da educação continuada para o crescimento da empresa e do profissional; o equilíbrio entre satisfazer as necessidades e desenvolver um trabalho que se goste; a importância de gostar do que se faz mesmo que isso não tenha sido idealizado; a diferença entre cansaço e estresse; medos e inseguranças; dicas como lidar com as mudanças; flexibilidade e rigidez na tomada de decisão; a realidade do trabalho hoje; a correria; as cobranças; e as necessidades (essenciais e fundamentais) de cada um.
Mesmo em forma de indagação, Cortella nos dá a dica de qual a resposta certa para a pergunta: “a sua obra é muito mais ampla do que qualquer que seja a atividade que você realiza”. Assim, a sua obra, a minha obra e a de tantos outros constitui nada menos do que aquilo que almejamos deixar como marca, registro e resultado. Então, se você, além de tentar entender os tópicos apresentados, desejar ir a fundo e torná-los aplicáveis no seu dia a dia, vale a pena buscar o livro e dedicar as três horas de leitura que ele exige.

O ser humano, dentre outras peculiaridades, busca incessantemente se satisfazer. Essa busca varia de acordo com o período vivido pelo sujeito. Na infância, por exemplo, nossas necessidades e realizações são diferentes da adolescência, que serão ainda mais distintas da fase adulta e da velhice. Por isso, em cada nova etapa enfrentamos algumas dificuldades em conquistá-la e até mesmo saber o que poderá nos levar até ela. Essa dificuldade acontece também em relação com a busca da realização profissional.
Nesse terreno, o caminho é ainda mais tortuoso. Isso porque independe apenas de você e das tuas experiências. A partir do momento em que o sujeito entra no mercado de trabalho, precisa dançar conforme a música sem esquecer, claro, seus princípios éticos, valores, necessidades e objetivos. Tratar desse tema requer, então, conhecimento de causa e, por isso, nesta semana, o Guia do Leitor apresenta “Qual é a tua obra”, de Mario Sergio Cortella.
O livro além de apresentar dicas e performances empresariais na relação empresa/empregado suscita a inquietação daquilo que fazemos, produzimos, queremos fazer e do que desejamos como resultado.
Qual é a tua obra
Boa leitura!

2.04.2010

Estorvo


Há dias em que nosso cérebro parece se negar a fazer mais do que as habituais responsabilidades exigem. Para ele, basta cumprir com o que lhe é de costume e todo o resto estará concluído. Mas, há também, aqueles dias em que a mente não pára. Que cada palavra é desculpa para uma ideia estapafúrdia; em que toda a imagem serve como trampolim para criar mil novas teorias. São o que chamamos de “dias imaginativos”.
Para alguns não são tão frequentes como deveriam; outros gostariam de poder moderá-los. Mas estas são coisas que não se controlam; que fogem ao nosso poder decisório, tal como os acontecimentos que se desenrolam de maneira descontrolada quando fazemos algo que não deveria ser feito. Imaginando que isso possa ter parecido um pouco confuso e que logo irá me fugir ao controle, cito um exemplo, como aquele dia em que você, cuidadosamente, se prepara para uma conversa com o seu amado, organiza as falas iniciais, o momento em que o diálogo deve mudar de rumo até que chegue ao ponto crucial (de que você está com a razão, claro!). No entanto, entretida em decorar as falas você se esquece de pensar num plano B e no momento do discurso toca o telefone; ele atende e quando desliga muda totalmente o caminho da conversa. Sem querer, vocês dão outro ritmo ao diálogo e aí, ou se acertam, sem você ter conseguido a palavra final da razão; ou brigam de uma maneira quase irreversível.
Sem grandes desafios, assim pode ser imaginada uma ação que acontece independente de como a tenhamos pensado. A porta batida sem intenção; o telefone desligado no momento errado; a campainha acionada e logo abandonada.
Dessa forma, também é Estorvo: uma ideia que emerge entre um pensamento e outro; entre o sonho, a loucura e a vida real. Estorvo é a imaginação guardada a sete chaves; o devaneio e a embriaguez inconstantes; é o trabalho não concluído devido à distração, mas é também a própria distração; é aquilo que atrapalha; que não deixa as coisas acontecerem e que, por isso mesmo, acaba por garantir o seu reconhecimento.
Estorvo, primeiro romance de Chico Buarque é, então, simples; é a história; é o pensamento que não merece vir à tona; é o desejo; a ânsia, repulsa, medo, covardia e é, por fim, aquilo que não se descreve em poucas palavras, mas que, de alguma forma, fazemos uso e nos apropriamos.


Boa leitura!

Lua Nova


Após cada entardecer, iniciamos uma transição. Deixamos a claridade da luz para nos perder no breu da noite. Noites que podem ser longas, frias, cheias, curtas ou quentes. Nestas mesmas noites é possível sentir uma companhia que, mesmo distante, assiste a tudo o que fazemos. A lua, dividida em quatro fases, mantém sua singularidade e originalidade justamente por nunca ser a mesma. De período em período é outra. Na lua nova, por exemplo, a sua face visível não recebe a luz do sol; isso acontece porque os dois astros estão na mesma direção. Nessa fase, ela está no céu durante o dia, nascendo e se pondo aproximadamente junto com o sol.
Os dois desfrutam, assim, do mesmo cenário e das mesmas situações que nós, aqui em baixo, desenvolvemos. Trabalho, conversas, ações, pensamentos e reações, tudo sob a visão cuidadosa dos dois astros. São promessas não cumpridas; sorrisos; palavras jogadas ao acaso; atitudes egoístas; sentimentos não vividos; intenções; olhares; planos de ficar ao lado de quem se ama, como Bella Swan queria; desejos como o de Edward Cullen de preservar um amor mesmo que para isso precisasse fazer de conta que ele nunca existiu.
(Algo te pareceu familiar?)
Na sequência à série mais vendida em 2009, estes dois protagonistas colocam à prova um sentimento puro e destemido. Em Lua Nova, de Stephenie Meyer, o romance colegial (pelo menos para Bella) desafia a segurança e a sobriedade da pequena cidade de Forks. E não poderia ser diferente, pois, como cita Bella “depois que você gosta de uma pessoa, é impossível ser lógica com relação a ela” e, talvez por isso, sem qualquer resquício de coerência passamos a acompanhar aquele amor tão difícil de resistir.
Um amor imprevisível, desses que dificilmente voltaremos a ver senão em ocasiões assim: folheando livros. Até porque, hoje, por mais que tentemos, o frenesi do dia a dia toma conta do tempo que antes dedicávamos a sonhar e imaginar finais felizes. Não temos tempo para brincadeiras. É o resultado no trabalho; a expectativa de um novo projeto; cuidados com a família e aquilo tudo que em alguns momentos gostaríamos de esquecer. Mas, mesmo com todas as adversidades, todo o ceticismo e incredulidade, Lua Nova consegue nos fazer lembrar que histórias assim ainda acontecem (talvez sem vampiros ou lobisomens, mas semelhantes em sentimentos de dedicação e amor); nos faz perceber que talvez elas estejam bem próximas. Se não estiverem, cuidado: a felicidade também pode não estar. E aí de que terá adiantado todo o discurso, toda a energia e argumentos? Se eles não forem usados diariamente serão apenas mais uma das tantas “coisas” dispensáveis, tal como atitudes tolas que temos de, por exemplo, não perceber que a lua mudou de fase.
Boa leitura!

1.28.2010

Desculpa se te chamo de amor


Ok, admito, demorei mais que o necessário para lê-lo. Ele merecia mais atenção, mas as desculpas das férias devem ajudar um pouco. E, afinal, mesmo com toda a preguiça (sim, é pecado, eu sei), aconteceu aquilo que é comum com todos os bons livros: chegou um momento em que, simplesmente, era impossível fechá-lo e deixar de lado a sua história. Então, abandonei a tradicional partida de dominó com o sobrinho, o filme repetido que ele ainda não tinha visto e até umas cuias de chimarrão. E não consigo nem me arrepender porque no fim me apaixonei novamente.
E já que estamos nessa de amor, devo comentar que este foi à primeira vista. Circulava por uma lista infindável de livros, buscando algum que fosse especial e não resisti. Olhei aquele título em fonte manuscrita, um autor que ainda não conhecia e decidi: é esse. Alguns dias depois já era testemunha do acidente de Niki e Alessandro. Testemunha daquele que viria a se tornar um incrível e surpreendente romance. “Desculpa se te chamo de amor”, de Federico Moccia.
Niki tem dezessete anos e cursa a última série do ensino médio; Alessandro tem 37 e é publicitário. Além dos 20 anos, estes dois têm muitas outras diferenças que, a princípio, pareciam inaceitáveis. Eram os pés dela no painel do carro, a roupa antiquada que ele usava, os horários, as responsabilidades, os gostos, os amigos e o passado. E, mesmo assim, ela disse “amor!”. Ele ouviu, fez de conta que não era com ele e disfarçou. Disfarçou um amor que queria evitar; fez de conta que não percebia a paixão batendo em sua porta; e continuou o relato sobre um trabalho a concluir. Niki deu de ombros e com a molequice de quem está apaixonada concluiu: “você ouviu bem e não adianta; eu vou te chamar de amor”. E chamou. Não só uma vez. Chamou por tempo suficiente para que nascesse um novo Alessandro Belli; aquele do sorriso fácil; que admite uma imprudenciazinha; que redescobre a felicidade em pequenos gestos e que, ao final, se rende e também a chama com aquela linda palavra.
Porém, em romances como esse nem tudo está definido. O passado respinga e, de repente, lá está o velho Alex. Em troca dele, uma outra Niki, mais madura e indiscutivelmente mais sofrida. Nesse momento, vem surgindo um aperto no coração; uma dor que parecia minha; a lágrima segurada com esforço; um emaranhado de pensamentos que começavam a jorrar. Quase não consegui acreditar; não poderia ser verdade. O sonho, o perfume, as palavras findavam a cada linha. E aquela história, que antes poderia ter sido disputada para ver quem assumiria o papel de protagonista, ia ficando só. Órfã dos atores principais. Afinal, ninguém gosta de pedir desculpas quando se ama, nem de sofrer.
No entanto, ainda assim me apaixonei e passei a aceitar que não é só a Niki que acredita em contos de fadas. Virei a página e reiniciei a procura por aquele final que poderia significar início de uma nova história, porque se for amor de verdade...

Boa leitura!

1.18.2010

Peripécias em verde e amarelo

O dia era uma quarta-feira qualquer. Dessas em que a mesa está cheia de papeis, bilhetes com tarefas a fazer e um telefone que não para de tocar. Em meio a todo o rotineiro alvoroço, a porta do escritório se abre e calmamente ele entra. Um amigo que conheci há pouco tempo, mas que dificilmente será esquecido. Nas mãos carrega a tradicional pasta que, provavelmente, contém livros, textos e um emaranhado de outros bilhetes. Com o jeito gentil de sempre, apresenta o mais novo fruto do seu trabalho: “Peripécias em verde e amarelo”. Na terceira página lá está a dedicatória: “À minha amiga Silvane, com o desejo de muitas gargalhadas, um abraço Torres Pereira”.
Em seu 16º filhote literário, como ele mesmo o intitula, Torres Pereira revela a cara do Brasil. Um país que ele assumiu como pátria desde 1976 depois de lutar como combatente de guerra na África e trabalhar como correspondente português num jornal em Zimbábue.
Começo, então, a leitura dois dias após receber o presente e penso, realmente, que gargalhadas me acompanhariam a cada virada de página. Me defronto, então, com a o contrário das piadas que eu acreditei existirem.
No livro, Torres nos fala muito bem sobre esse país que tem na contradição sua mais completa definição: de um lado a riqueza, de outro a pobreza; a inovação tecnológica e o analfabetismo; as mansões e as redes de esgoto a céu aberto; o salário mínimo e as pensões vitalícias; as belezas naturais e as favelas; a tristeza de não ter o que comer e a alegria em poder ajudar a quem sequer se conhece.
É desse Brasil que nos fala o autor português, mas não exatamente nessas palavras. Torres fala daqueles que poderiam mudar esses exemplos; daqueles que tem o poder nas mãos, mas que o usam apenas em seu próprio benefício. Torres apresenta aquela laia que receamos ter na família; que desejamos manter afastados e que, no entanto, deveriam ser o nosso porto seguro. A eles deveríamos levar nossas preces; estender nossos pedidos e cobrar verdadeiros milagres. Até porque, mesmo Deus sendo brasileiro não estamos dando conta e, ruim mesmo, pode ficar quando resolvermos desacreditar numa mudança. Quando escutarmos o horário eleitoral e percebermos que tudo não passa de uma mentirazinha; quando virarmos as costas para promessas toscas e passarmos a exigir, verdadeiramente, atitudes de homens. Homens que não pensem em tirar o dinheiro das nossas contas bancárias; que não empreguem a família toda em serviços públicos; homens que trabalhem como tantos outros, de sol a sol e que ainda possam sorrir. Que consigam eles gargalhar porque, afinal, tudo não passa de uma levada peripécia.

Boa leitura!

Ensaio sobre a lucidez

Chego à primeira resenha de 2010 infestada de nostalgia. E não é à toa, não. Este texto que segue é, senão mais, o centésimo que escrevo. E, como todo aniversário, não poderia deixar de fazer uma comemoração. Brindo, então, a centésima resenha; o centésimo livro em cerca de dois anos e meio com aquele que virou, no mínimo, um ídolo: José Saramago. E trago Saramago (ou ele me traz?) pelas vias de “Ensaio sobre a lucidez”. O livro segue uma espécie de sequência ao célebre Ensaio sobre a cegueira, recentemente levado às telas. Digo “uma espécie”, porque se em um a cegueira branca tomava conta de um país inteiro, neste Saramago deixa a todos “lúcidos”. Lucidez essa que atinge cerca de 80% dos votantes da capital daquele mesmo país que há quatro anos encontrava-se cego. Como? Votando em branco. Simples assim.
O que se propõe, de acordo com as orelhas do livro, não é a mera insinuação de uma substituição da democracia por um sistema alternativo, mas o seu permanente questionamento. Por isso, nem partido da direita, do meio ou da esquerda. Como se fosse combinado, 83% dos votos são em branco. O pleito, apresentando tal resultado, foi repetido e repetida também foi a resposta obtida. Aí começa o desenrolar de uma história com ativa participação do governo, imprensa e polícia. Cada um com uma intenção e uma forma de agir e, para começar, a declaração de estado de sítio; total isolamento àqueles que afrontaram a estabilidade política e civil. (Realmente difícil distinguir quais são os dementes e os lúcidos).
Os 17% que não concordavam com o ato (entre eles autoridades e familiares das autoridades) decidiram tomar atitudes ainda mais sérias quanto à demência dos demais. Então, o governo (como sempre) encontra maneiras para responder ao que aconteceu. Na busca pela sua verdade, submete o corpo e a mente dos suspeitos a perguntas onde a resposta deve ser uma só. Enquanto não ouvi-la, não cessará; não acatará nenhum pedido; nem ouvirá qualquer apelo.
E, pensando por esse lado, sorte a nossa que sempre temos uma resposta na ponta da língua (ou da caneta, como queira). Podemos até não concordar totalmente com o que ela diz, mas a cada pleito lá estamos nós a dar as respostas que nos pedem: deputado estadual, federal, senador, governador, presidente. Respondemos a tudo e sequer nos dizem obrigado. Não falo do agradecimento inserido em bonitos discursos, e sim daquele visível. Daquele presente nos projetos sociais, na educação, saúde, segurança pública. Mas talvez esteja eu falando apenas asneiras; ou como dizem: reclamando de barriga cheia. Afinal, panetones temos às sobras. Lúcidos ou locos, não importa. Importa que o ano começou, logo vem o carnaval, eleições e os muitos preparativos para todas as merecidas conquistas que o país obteve.

Boa leitura e um feliz ano novo!